Futuro do bairro de pescadores agita debate público em Olhão

Plano de Pormenor da Zona Histórica de Olhão põe em causa autenticidade dos bairros da Barreta e dos Sete Cotovelos, dizem os críticos.

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Muitos estrangeiros têm comprado casa na zona piscatória da cidade VIRGILIO RODRIGUES

O que vai acontecer às velhas casas, onde vivem as famílias dos pescadores de Olhão? O Plano de Pormenor da Zona Histórica de Olhão (PPZHO), cuja discussão pública está em curso, prevê um reforço do investimento público na reabilitação urbana, mas há vozes a levantarem-se contra o documento. “Uma zona histórica não precisa de ser reabilitada, precisa de ser salvaguardada”, defende o arquitecto Filipe Monteiro, autor de vários trabalhos de requalificação de prédios degradados na zona história da cidade.

Dos dez milhões de euros de investimento público previstos no plano, apenas um por cento  é destinado à reabilitação do edificado. A maior verba (73%) vai para a requalificação do espaço publico. A discussão sobre o que (re)fazer neste espaço degradado, tem décadas. A proposta de intervenção urbanística, desenvolvida pela Baixa, Atelier de Arquitectura, já leva mais de cinco anos de trabalho, com vários avanços e recuos, e parece estar longe de gerar consensos.

No último debate destinado a discutir o PPZHO, ocorrido na Sociedade Recreativa Progresso Olhanense, foi Filipe Monteiro quem fez a interpretação do documento. “Não está em causa a qualidade do projecto enquanto reabilitação, mas enquanto salvaguarda é uma tristeza”, criticou, falando em português e inglês. A plateia, constituída por mais de 150 pessoas, a maioria estrangeiros, aplaudiu.

 A compra de casas velhas, para reconstruir, é negócio que tem vindo a crescer nos últimos anos, com os preços do imobiliário em curva ascendente. O que é que procuram? “Autenticidade”, respondeu Filipe Monteiro, descrevendo a importância da sociedade multicultural que se tem vindo a instalar. Pescadores e turistas, cada qual à sua maneira, defendem a importância da relação directa daquele espaço com o mar.

Por sua vez, o professor de História de Arte e Arquitectura da Universidade do Algarve Horta Correia vê no plano uma “densificação” dos aglomerados, um modelo de desenvolvimento que fez escola nos anos 70 e 80, com marcas bem conhecidas, pela negativa, na paisagem algarvia, lembrou. Considerando uma “aberração” a torre de 21 metros de altura prevista para a Barreta, o docente jubilado lamentou “a destruição do Algarve” e lembrou ainda o outro lado da moeda nos negócios do imobiliário: “O conluio que havia entre os patos-bravos e os autarcas”.

O alargamento do porto de recreio (mais 60 postos de amarração numa primeira fase, seguida de uma outra com 220) é outro foco de polémica. A discussão do assunto não estava na agenda da reunião promovida pela Associação de Valorização do Património Cultural – APOS, mas acabou por saltar para o debate.

Fernando Grade, da associação ambientalista Almargem, acusou a câmara e a administração central de pretenderem criar um “parque de estacionamento de barcos à frente dos mercados”, retirando a beleza natural da Ria Formosa. O vereador Eduardo Cruz, do PSD, peremptório, desmentiu o ambientalista: “Não é nada disso que está previsto”, afirmou, mas não esclareceu o que defende o município. O autarca, sem pelouros (o executivo é presidido pelo PS), aproveitou a ocasião para defender o PPZHO, recusando a ideia de “destruição, e perda de autenticidade” apontadas por Filipe Monteiro.

O Plano Director Municipal (PDM), recordou, “ já prevê a construção de três pisos” nesta zona histórica. “Não aceito que digam mal da minha terra”, rematou. A discussão deverá ter novos desenvolvimentos esta semana, numa outra reunião pública, com a presença do autor do plano, Pedro Ravara. “Também é professor universitário”, advertiu Eduardo Cruz, em jeito de desafio a Horta Correia.

Por fim, Josué Marques, dirigente do Sindicato dos Pescadores, defendeu que a discussão do plano deveria ser “feita olhos nos olhos” com toda a população. Uma consulta pública feita através da Internet, criticou,” não é consulta pública”. O computador, justificou, não é ainda ferramenta quotidiana de quem se dedica à pesca e à apanha do marisco na Ria Formosa. 

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