Miguel Veiga: o amor ao Porto impediu-o de ser ministro

Fundador do PSD vai a sepultar nesta terça-feira no Cemitério de Agramonte. Não haverá qualquer cerimónia religiosa.

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NELSON GARRIDO / PUBLICO

Miguel Veiga, um dos fundadores da democracia portuguesa enquanto deputado à Assembleia Constituinte e, acima de tudo, um homem livre, morreu ao fim da manhã desta segunda-feira, com 80 anos, no Porto (Foz), a cidade que o viu nascer e que tanto amava. A Câmara do Porto decretou três dias de luto municipal.

Fundador do Partido Popular Democrático, hoje PSD, em 1974, juntamente com Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão e Magalhães Mota, Miguel Veiga era considerado um dos senadores mais influentes do partido, do qual chegou a ser vice-presidente. Apesar de ter sido fundador do PSD, foi sempre um pensador livre. Numa entrevista ao Expresso, em Novembro de 2014, o fundador do PSD, que foi várias vezes ameaçado de expulsão, disse: “Nunca me silenciaram”.

Quando Cavaco Silva foi líder do PSD e primeiro-ministro de Portugal, o advogado foi, se não o único, certamente o mais notório anticavaquista dentro do seu próprio partido. Em 1985 desafia o partido ao apoiar a candidatura presidencial de Mário Soares, de quem era amigo, quando o PSD estava com Freitas do Amaral. Curiosamente, em 2006, escolheu estar com Cavaco, que tinha como adversário Soares na corrida a Belém.

Naquele que seria o seu último combate político, em 2013, Miguel Veiga esteve contra o partido e apoiou o independente Rui Moreira à Câmara do Porto, quando o PSD indicou Luís Filipe Menezes.

Licenciado em Direito, pela Universidade de Coimbra, fez carreira na advocacia. Na política, transformou-se num dos notáveis do PSD, da facção social-democrata, tendo desempenhado vários cargos no partido, de deputado à Assembleia Constituinte e a conselheiro nacional, mas nunca foi ministro. Segundo Rui Rio, "só não foi ministro, porque nunca quis abandonar o Porto”.

As reacções à sua morte sucederam-se ao longo do dia. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lembrou Miguel Veiga como um lutador pela democracia e agradeceu-lhe "a sua coragem de ser livre sempre, em todos os momentos".

Marcelo Rebelo de Sousa fez esta declaração aos jornalistas ao final da tarde, no Palácio de Belém, onde estava a receber as confederações patronais e sindicais, usando uma gravata preta, em sinal de luto. "Foi com grande tristeza que soube da partida de Miguel Veiga. Miguel Veiga foi um herdeiro de uma linhagem de luta e de resistência pela democracia e contra a ditadura. Ele próprio foi um expoente dessa luta, e depois foi constituinte — estivemos juntos na votação da Constituição", afirmou o chefe de Estado, também antigo deputado constituinte e social-democrata.

Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou que Miguel Veiga "foi, já em democracia, um lutador pelos direitos e as liberdades dos portugueses, com inteligência, com cultura, e sobretudo com profunda liberdade de espírito". "Era um homem livre. Foi ao longo de toda a sua vida um homem livre. E é isso que eu queria agradecer, em nome de Portugal, a Miguel Veiga: a sua liberdade, a sua coragem de ser livre sempre, em todos os momentos, pensando também, à sua maneira, em Portugal", concluiu.

O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, enalteceu os “valores republicanos e democráticos” que Miguel Veiga “defendia com desassombro no espaço público”. Numa nota por si assinada, Ferro Rodrigues refere-se ao advogado como “um dos fundadores da democracia portuguesa, enquanto deputado à Assembleia Constituinte”.

O Ministério da Cultura deixa elogios ao fundador do PSD, considerando-o “uma incontornável personalidade na história da democracia portuguesa pela sua permanente intervenção cívica, pessoal e profissional”.

Francisco Pinto Balsemão, amigo de longa data, escreve: “Com Miguel aprendi bastante em matéria de livros e de pintura e escultura. Ele lia muito e aconselhava bem quanto aos autores, sobretudo poetas. E tinha um especial talento para descobrir jovens artistas”. “Ao lado de uma vida cultural, profissional e social tão rica e em permanente ebulição, o meu amigo Miguel tinha uma atracção permanente pela política. Talvez influenciado pelo pai, que foi um coerente democrata e oposicionista a Salazar”, escreveu Pinto Balsemão, num texto em que fala também do “advogado brilhante à antiga, que se entregava de alma e coração aos processos”.

Para o PSD, o nome de Miguel Veiga ficará “inscrito a ouro nas páginas da história do Partido Social Democrata e da cidade do Porto, da qual era um dos seus mais amados príncipes”.

“Advogado insigne, o seu nome é sobretudo indissociável das inúmeras causas de cidadania pelas quais sempre se bateu ao longo de toda a sua vida, distinguindo-se pela maneira de ser frontal, livre e independente e pela imensa elevação que sempre imprimiu à sua vida pública”, acrescenta o PSD numa nota sobre Miguel Veiga enviada às redacções, na qual refere que a “força do seu carácter e das suas convicções, emoldurada pela distinta qualidade das suas intervenções, permanecerá como exemplo para todos quantos queiram acrescentar valor à sociedade em que vivemos”.

Dono de um talento invulgar para fazer e manter amigos, Miguel Veiga é, na opinião de Rui Rio, “uma pessoa insubstituível”. “Para mim, é insubstituível. Nunca encontrei ninguém com tanta firmeza de valores, com tanta verticalidade e coerência e, se tivesse que indicar com orgulho o nome de uma pessoa, seria o de Miguel Veiga”, declarou ao PÚBLICO Rui Rio, que escolheu o fundador do PSD para seu mandatário durante os três mandatos em que presidiu à Câmara do Porto.

A Cooperativa Artística Árvore e a Editora Modo de Ler vão homenagear Miguel Veiga numa sessão pública no próximo dia 23, que inclui uma conferência com Artur Santos Silva e José Pacheco Pereira e a apresentação do livro e “roteiro sentimental” O Porto de Miguel Veiga, recentemente editado por José da Cruz Santos.

O ano passado a Câmara do Porto agraciou o social-democrata com a Medalha de Honra da Cidade, a mais alta distinção municipal.

Miguel Veiga estava doente há já algum tempo e os amigos visitavam-no com alguma regularidade. Recentemente, reuniu um grupo de amigos na sua casa da Foz e jantou com eles, tendo ficado marcado novo encontro para breve. Uma pneumonia tirou-lhe a vida aos 80 anos.

O Porto despede-se nesta terça-feira de Miguel Veiga. O funeral está marcado para as 15h, no Cemitério de Agramonte, não estando prevista qualquer cerimónia religiosa. Ficará sepultado num jazigo de família. O presidente do PSD, Passos Coelho, não estará presente, mas esteve no velório, no Palacete dos Viscondes de Balsemão. com Lusa

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