“Canine Soldiers”: contar a guerra através dos cães

Nancy Schiesari passou quatro anos e meio a acompanhar as guerras do Iraque e do Afeganistão através de duplas de soldados e os seus cães militares. E descobriu vínculos muito especiais. O documentário “Canine Soldiers” é uma outra história da guerra

Canine Soldiers Trailer from Nancy Schiesari on Vimeo.

Andava ainda às voltas com um documentário sobre a arte das tatuagens quando, numa loja do género, ouviu falar da existência de um negócio com cães soldados. Contava-se a viva voz que havia quem recebesse até 15 mil dólares por uma orelha tatuada de um cão capturado ou morto na guerra. Nancy Schiesari teve então uma ideia: “Ocorreu-me, talvez de forma um pouco cínica, que contar histórias de cães feridos em guerra seria uma forma de levar as pessoas a preocuparem-se com o que estava a acontecer”, contou ao P3 a realizadora. Quatro anos e meio de trabalho depois, o documentário “Canine Soldiers” (Cães Soldado) está terminado. É uma viagem pelos "vínculos afectivos" criados entre os soldados e os seus cães. Uma outra história da guerra.

Kirkuk, Iraque, Julho de 2011. Há um grupo de cães e alguns rôbos a acompanhar soldados americanos no terreno, mas os homens decidem revistar um edifício sem a ajuda deles. Uma explosão acontece, três militares ficam soterrados. A descrição do momento é feita na abertura do documentário “Canine Soldiers” pelo soldado Marcin Radwin. “Ainda tenho essa imagem na cabeça. Aquilo podia ter sido evitado. O cão teria detectado os explosivos”, diz, de voz pausada. “Depois disso nunca mais quis fazer nada sem um cão.”

Duas em cada três mortes de soldados americanos são causadas por explosivos artesanais. E, apesar das evoluções, defende Stewart Hilliard, director da maior base de treino dos EUA, com mais de 900 animais, “nada é tão eficiente como um cão bem treinado para detectar [esses] explosivos”. Mas utilizar um ser senciente em cenários de violência é aceitável? “Do ponto de vista ético, não”, responde Nancy Schiesari, “mas como parte do que somos como espécie, que tem evoluído junta, sobretudo com cães, ajudando-nos uns aos outros a sobreviver, sim”.

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Documentarista surpreendeu-se com a ligação entre humanos e animais Canine Soldiers

Nancy surpreendeu-se com a ligação entre humanos e animais. Descobriu que o soldado e o cão, que pode trabalhar até aos dez anos, “são emparelhados com base nas personalidades dos dois” e que o animal “não é forçado a trabalhar”, conta. “A menos que aconteça um evento traumático e, como os humanos, fiquem com stress pós-traumático, o cão gosta de agradar ao humano e diverte-se com a brincadeira e recompensa do jogo de encontrar um explosivo.”

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Cães são treinados desde que nascem e podem trabalhar até aos dez anos Canine Soldiers

Para compor o documentário, a norte-americana acompanhou todo o processo. O treino dos animais, desde bebés, a entrega aos soldados, por volta dos seis meses, o trabalho no terreno. Entrevistou especialistas em comportamento animal, que lhe explicaram como a ideia dos humanos como seres superiores está ultrapassada: “Espero que este filme nos ajude a sermos mais humildes e gratos com outros seres, sencientes.” Nancy filmou em 3D, numa tentativa de representar o espaço “do ponto de vista canino”. “Os cães vêem em 3D, embora a sua periferia de visão seja 30% mais alargada do que a dos seres humanos”, explicou Nancy. Desta forma, a realizadora acredita também ter conseguido uma “nova abordagem” para cenários de guerra, geralmente representados “em 2D, nas cores dos uniformes militares”.

Em cenários de medo, de violência e de morte, os soldados descobrem nos animais uma companhia e ajuda importante. Tanto que alguns dos treinadores de cães que Nancy encontrou eram ex-soldados que tinham vivido a experiência de ver companheiros morrer ou ficarem gravemente feridos por um explosivo. “Por verem como equipas de cães salvavam vidas”, decidiram dedicar-se ao treino destes animais, explica.

O documentário, com a duração de uma hora, passou recentemente no Austin Film Festival e vai ser mostrado na televisão pública americana. À Europa, Nancy Schiesary espera também que chegue em breve.

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