A geringonça agora é uma “vaca voadora”

A vaca voadora de António Costa? Está agora na Internet e muitas personalidades da esquerda estão a voar com ela. Elísio Estanque e André Freire, por exemplo, defendem que ainda “pode voar mais alto”.

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Em Maio último, a vaca voadora foi apresentada como sinal de que não há impossíveis DR
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O site A Vaca Voadora DR

Eppur vola.” E, no entanto, voa. A frase que Galileu terá murmurado – “eppur si muove” –, por estar certo de que a Terra girava à volta do Sol, foi agora adaptada por um grupo de personalidades da esquerda e está plasmada num site que se chama “A vaca voadora”. Se a verdade de Galileu já tem muito tempo, a ideia de pôr uma vaca a voar na Internet surgiu no Verão passado e partiu do professor universitário especialista em saúde pública Cipriano Justo. Juntou-se um grupo de pessoas “preocupadas com os destinos do país” e com o “sucesso” do que a direita chamou de “geringonça” e criaram um espaço de opinião sobre política.

É o professor de Coimbra, Elísio Estanque, quem conta, por email, como tudo começou. O académico acrescenta que solução de Governo, “até pela duração que já leva”, mostrou que a metáfora da “geringonça” não é a mais adequada. Este grupo prefere outra, a da “vaca voadora”. E, recuando até Maio, quando o primeiro-ministro presenteou a ministra da Modernização Administrativa com um boneco que era uma vaca voadora, durante a apresentação do programa Simplex, percebe-se a preferência.

Nesse dia, António Costa contou bem-disposto à assistência que, durante muito tempo, teve dificuldade em aceitar que, se calhar, há mesmo algo impossível – as vacas voarem. Quando estava quase a conformar-se com a ideia, eis que encontra, numa loja no aeroporto de Londres, um boneco: uma vaca com asas. Na cerimónia, Costa dá à corda, as asinhas da vaca começam a bater, e o boneco passa para as mãos de Maria Manuel Leitão Marques. A metáfora adoptada por este grupo é clara: aquilo que parecia impossível, afinal pode não ser. E pode haver um Governo PS apoiado por acordos à esquerda, firmados com bloquistas e comunistas.

“A vaca voadora é a metáfora que melhor exprime e sintetiza a solução política encontrada para a constituição do XXI Governo constitucional. Só na presença e combinação de um conjunto de condições sociais e políticas particularmente favoráveis seria possível a um herbívoro com as características deste bovino ganhar asas, levantar voo e voar”, lê-se no site A Vaca Voadora.

Nas palavras do sociólogo Elísio Estanque: “Em vez da dita ‘geringonça’, entendemos ser preferível a metáfora da ‘vaca voadora’, já que a actual solução parlamentar e governativa surgiu, inesperadamente, de um conjunto de factores e de vontades, à partida desalinhadas (na terra), mas que conseguiram ‘elevar-se’ e iniciar um ‘voo’ que já dura há um ano.”

Um voo consistente e a “boa altitude”

O politólogo André Freire corrobora: “Há um clima globalmente adverso na comunicação social, porque a solução política é nova. E porque há uma grande reserva em relação a ela e à entrada de bloquistas e de comunistas na esfera governativa.” Para este académico, a vaca “tem voado de forma consistente”, a “boa altitude” e “com estabilidade”, mas ainda pode chegar mais alto. Para o docente, a “durabilidade e sucesso” desta solução de Governo também dependem de os seus apoiantes “não serem acríticos”. Embora sejam defensores da solução governativa, a ideia é fazer “crítica construtiva” e “vigilante”.

Elísio Estanque defende o mesmo: “Apoio o actual Governo e acredito que ‘a vaca pode voar mais alto’, esta maioria pode continuar a surpreender-nos e, ao mesmo tempo, mostrar a outros países europeus que a celebrizada ‘TINA’ (there is no alternative) constitui uma falácia”.

O sociólogo admite que este Governo tem tido “algumas dificuldades”, porque, por um lado, está num “colete-de-forças dos compromissos assumidos com os credores e as instituições da União Europeia”; por outro, está comprometido “com as forças à sua esquerda e as promessas de repor direitos, cortes e pensões, incluindo a recuperação da economia e do emprego”.

Embora já tenha cumprido alguns desses compromissos, prossegue Elísio Estanque, “tem-se debatido nos últimos tempos com contradições e alguns ‘casos’ que o debilitam politicamente, nomeadamente a actual situação com a nova administração da Caixa Geral de Depósitos (e a declaração de património e rendimentos dos gestores), o que ameaça abrir feridas graves entre a maioria parlamentar que apoia o Governo”. Mas o docente acredita que tal “será ultrapassado e os partidos de esquerda irão conseguir, após a aprovação do Orçamento do Estado 2017 na especialidade, manter a sua coerência e autonomia nas posições que assumem, sem que isso implique uma clivagem que faça cair o Governo de António Costa”.

Fazem parte ainda deste projecto Ana Rita Freire, António Hespanha, António-Pedro Vasconcelos, Bernardino Aranda, Carlos Fragateiro, Cipriano Justo, Emmanouil Tsatsanis, Fernando Nunes da Silva, Francisco Teixeira, Goffredo Adinolfi, Helena Roseta, J.M. Nobre Correia, José Leitão, José Vítor Malheiros, Maria do Rosário Gama, Maria Tengarrinha, Marta Loja Neves, Mayra Goulari, Paula Marques, Paulo Fidalgo, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Ricardo Santos, Teresa Dias Coelho, e Tiago Fernandes.

Algumas das mãos que vão escrever no site

André Freire

Politólogo, é director do doutoramento em Ciência Política no Instituto Universitário de Lisboa, onde é também investigador. Freire tem dirigido investigações na área da ideologia – esquerda/direita, por exemplo – ao nível de elites e massas, comportamento eleitoral e atitudes políticas, entre outros temas. Foi colunista do PÚBLICO, é membro do Sindicato Nacional do Ensino Superior e foi candidato independente pelo partido LIVRE / Tempo de Avançar nas últimas eleições legislativas.

Elísio Estanque

Nasceu no Alentejo, em Rio de Moinhos, Aljustrel. Fez o ensino secundário em Aljustrel, no Liceu Nacional de Faro e no Externato Marquês de Pombal, Lisboa, cidade para onde se mudou aos 16 anos e onde trabalhou e prosseguiu os estudos. Foi activista sindical e de diversos movimentos sociais na altura da revolução, entre 1974 e 1975. Trabalhava e estudava ao mesmo tempo quando concluiu a licenciatura em Sociologia no ISCTE - Universidade de Lisboa. Em Novembro de 1985 integrou a equipa de sociologia/ciências sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde se mantém.

José Leitão

É um nome com longa história no PS. Já foi deputado, membro das Comissões Nacional e Política do PS, da Comissão Política Concelhia de Lisboa, do Conselho Municipal de imigrantes e Minorias Étnicas da Câmara Municipal de Lisboa, director do Portugal Socialista. Mas não só. Já exerceu o cargo de Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, foi líder do PS na Assembleia Municipal de Lisboa e na Assembleia da Área Metropolitana de Lisboa. Do seu currículo faz ainda parte a publicação de várias obras, o ensino de História das Instituições na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, entre outras actividades.

Helena Roseta

Arquitecta  – licenciou-se na antiga Escola Superior de belas Artes de Lisboa e já foi presidente da Ordem dos Arquitectos – Helena Roseta é deputada pelo PS e desde 2013 presidente da Assembleia Municipal de Lisboa. O seu percurso político é difícil de resumir: já foi vereadora em Lisboa pelo PS, pelo “Cidadãos por Lisboa”, e pelo PSD. Foi presidente da autarquia de Cascais, fundadora da Associação Nacional de Municípios, e dirigente nacional do PS e PSD, entre muitos outros cargos.

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