Turquia encerra ONG e pede prisão perpétua para escritores

Repressão em nome da luta contra o terrorismo atinge níveis cada vez mais elevados na pátria de Erdogan, que avança rapidamente para mudar a Constituição e tornar-se Presidente com poderes executivos.

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Manifestação de curdos e alevis em Berlim, sábado, contra Erdogan Oliver Berg/AFP

Entre as 370 organizações não-governamentais encerradas à força pelo Governo turco neste sábado, por suspeita de terem ligações a organizações terroristas e de serem “uma ameaça à nação”, está o grupo Gündem Cocuk que denunciou abusos sexuais contra crianças numa escola islâmica estatal.

Em causa estão associações de advogados, organizações de defesa dos direitos humanos, de promoção da língua curda, dos direitos das mulheres, que prestam apoio a refugiados. Para o Governo, tratava-se de 153 grupos suspeitos de terem ligações ao movimento de Fethullah Gülen, o imã exilado nos Estados Unidos que o Presidente Recep Taiyyp Erdogan considera o seu maior rival e culpa de estar por trás do golpe de Estado falhado de 15 de Julho – e classifica como terrorista –, 190 ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), classificado como uma organização terrorista, 19 a um grupo de extrema-esquerda ilegalizado e oito ao Estado Islâmico.

“A Turquia tem de combater o terrorismo em tantas frentes diferentes. Estamos a tentar livrar as instituições estatais dos gulenistas. E ao mesmo tempo estamos a lutar contra os militantes curdos e o Estado Islâmico”, disse o vice-primeiro-ministro Numan Kurtulmus. “Estas organizações não foram encerradas, apenas suspensas. Há fortes indícios de que têm ligações terroristas”, justificou.

Este método – suspensão para investigação e eventual purga tem sido usado em massa contra pessoas e instituições desde o golpe de 15 de Julho. Mais de 110 mil pessoas foram suspensas ou despedidas. 

O estado de excepção em que se vive reflecte-se também numa repressão sem precedentes sobre os media, num país que já tinha sérios problemas a esse nível. A Turquia está em 151º na lista mundial da liberdade de expressão de 2016 elaborada pelos Repórteres Sem Fronteiras, atrás do Tajiquistão e à frente da República Democrática do Congo. Pelo menos 142 meios de comunicação foram encerrados e muitos jornalistas foram presos. 

É nesse contexto que foi finalmente conhecida a acusação contra a escritora Asli Erdogan, cujos romances foram traduzidos para várias línguas, e está presa desde Agosto por ter colaborado com o jornal pró-curdo Ozgür Gündem. Foi lançada uma petição internacional pela sua libertação, que recolheu 32 mil assinaturas. O Ministério Público pede “prisão perpétua agravada” contra ela e outros nove colaboradores do diário, pela acusação de “pertença a uma organização terrorista.” Entre os outros acusados estão Eren Keskin, um advogado de direitos humanos, e outra escritora, Necmiye Alpay.

Enquanto isto se passa, avança a passos largos o plano de mudar a Constituição para dar poderes executivos ao Presidente: o partido do Governo, o AKP, está prestes a chegar a acordo com o partido nacionalista (de extrema-direita) MHP para obter o número de votos necessário para aprovar as mudanças no Parlamento. Espera-se que o diploma chegue o plenário em Dezembro, e que seja possível organizar um referendo em Abril sobre o novo sistema de "presidência consolidada", diz o jornal Daily Sabah, próximo do Governo.

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