Morreu Bruto da Costa, o político para quem se devia dar aos pobres o peixe e a cana

O antigo ministro e conselheiro de Estado, estudioso da pobreza e da exclusão, morreu em casa, em Lisboa.

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Bruto da Costa era formado em Engenharia, mas só exerceu durante um ano Diogo Baptista

A entrevista é de 2007, mas continua a dar que pensar. Nela o antigo conselheiro de Estado Alfredo Bruto da Costa dizia: “Discordo da frase ‘não dês o peixe, dá a cana’. Se só deres o peixe, ele só comerá hoje. Se, além do peixe, deres a cana, ele comerá hoje e o resto da vida. Não vale de nada dar uma cana a alguém que está com tanta fome que não pode sequer levantar-se para chegar ao rio para pescar.”

Bruto da Costa morreu em casa, em Lisboa, nesta sexta-feira, com 78 anos. O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, enviou uma nota às redacções a lembrar que “esteve associado aos maiores avanços nas políticas sociais das últimas décadas em Portugal”. “Foi um grande combatente contra a pobreza e a exclusão”, resumiu. Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Segurança Social, por sua vez, destacou a sua “visão assertiva” e “por vezes idealista”.

Doutorado em Sociologia, fez carreira como professor universitário e ocupou vários cargos públicos. Foi ministro dos Assuntos Sociais no executivo liderado por Maria de Lurdes Pintasilgo, provedor da Misericórdia de Lisboa, presidente do Conselho Económico e Social, esteve à frente da Comissão Nacional de Justiça e Paz. Em Setembro de 2014, tomou posse como conselheiro de Estado.

Tinha no currículo vários estudos e trabalhos sobre pobreza e exclusão social, incluindo a tese de doutoramento. E, nessa área, continuava activo. Fazia parte de um grupo de trabalho dinamizado pela EAPN-Rede Europeia Antipobreza /Portugal, que delineou um roteiro para uma Estratégia Nacional de Erradicação da Pobreza. 

A Estratégia Nacional foi uma das suas últimas lutas. “Nós sabemos quem são os pobres em Portugal”, disse, na apresentação pública do roteiro, em Setembro de 2015. “O problema é termos procurado combater a pobreza sobretudo de forma pontual. Pontual e dispersa”, sintetizou, ao convidar a “aderir a um compromisso para uma estratégia nacional de combate à pobreza”, que desse consistência a uma acção que visasse “não apenas reduzir o sofrimento do pobre, o que é certamente necessário, mas também ajudá-lo a libertar-se da pobreza”.

“Ainda participou numa reunião em Março”, diz Sérgio Aires, presidente da EAPN - Europa. “Depois, anunciou que estava doente. Pediu que o mantivessem informado sobre o desenrolar dos trabalhos. Tinha expectativa de superar a doença”, comenta ainda. Nesta altura da vida, reflectia muito sobre a ideia de desigualdade. “Desafiava-nos a aprofundar esse conceito. E eu dizia-lhe que tínhamos de fazer uma história da luta contra a pobreza em Portugal enquanto era tempo.”

Quem o via, assim, com grande à-vontade, não imaginava que alguma vez tivesse tido medo de falar em público. Revelou-o à publicação católica Voz da Verdade. Nesse artigo, publicado em 2013, pode ler-se mais sobre os seus primeiros anos de vida na Índia. Nasceu em Goa. Fez o ensino primário em português. Ingressou numa escola jesuíta, onde fez o ensino secundário, já em inglês.

Queria ser advogado, como o pai. Só que “estava convencido de que não seria capaz de falar em público”. E acabou por vir para Portugal estudar Engenharia Civil. Lia cada vez mais. Percebeu que não queria ser engenheiro (exerceu durante um ano), mas também não sabia bem o que deveria ser. Acabou por dedicar a vida ao combate à pobreza. com R.A.C.

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