Irá Trump carimbar o recuo de influência dos EUA no Médio Oriente?

Para Trump, a prioridade absoluta é o combate ao terrorismo. Declarações feitas durante a campanha deixam em aberto uma coligação de interesses com a Rússia e Assad contra o Estado Islâmico.

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Rebeldes sírios assistem a notícias sobre a eleição de Trump. "Um dos grandes perdedores destas eleições são os sírios", diz um analista Abdalrhman Ismail/Reuters

Depois de um Presidente que quis mudar para sempre o Médio Oriente e de outro que, marcado pelos erros do antecessor, oscilou sempre entre o desejo de intervir o menos que lhe era possível e a vontade de lançar mão às enormes mudanças em curso, como olhará Donald Trump para a região, de onde emanam grande parte dos desafios internacionais que tem pela frente? Durante a campanha, o candidato republicano deixou pouco mais do que ideias vagas e tiradas incendiárias, mas o que disse faz antever um rumo que pode ser marcante – para o futuro inquilino da Casa Branca, a região já não é decisiva para os interesses estratégicos norte-americanos.

Há duas certezas que os especialistas em questões internacionais têm. A primeira é a de que só depois de conhecidos os nomes que Trump escolherá para chefiar a diplomacia e para conselheiros de segurança e política externa será possível ter uma ideia mais clara do que será a sua estratégia internacional. A segunda é que, mais do que as intenções políticas, pesará a realidade que terá pela frente – George W. Bush teria sido um Presidente radicalmente diferente sem o 11 de Setembro, Barack Obama não antecipou a eclosão das Primaveras Árabes e da guerra civil na Síria. 

Mas a campanha mostrou que a prioridade internacional absoluta de Trump, e dos eleitores que o elegeram, é o combate ao terrorismo, actualmente na forma do Daesh. E para a concretizar estará disponível a ceder terreno de acção à Rússia e a abandonar as reservas de Obama em relação aos líderes autocráticos que saíram reforçados com o fracasso de grande parte das revoltas da Primavera Árabe, como o Presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sissi. “É uma estratégia baseada em fechar os olhos a muitas das questões internacionais com o objectivo de construir uma muralha metafórica em redor dos EUA”, disse à revista Time Lina Khatib, directora para o Médio Oriente e Norte de África da Chatham House, em Londres.

Uma ideia que assume a sua forma mais visível na Síria, guerra em que Trump (ao contrário de Hillary Clinton) não tem qualquer intenção de reforçar o envolvimento americano para lá da ofensiva contra os jihadistas. Chega a admitir aquilo que até agora foi anátema para Washington – aceitar a intervenção da Rússia no conflito e a sobrevivência do regime do Presidente sírio, Bashar al-Assad, como preço para derrotar os radicais. “Não gosto nada de Assad, mas ele está a atacar o ISIS [outra das siglas por que é conhecido o Daesh]”, disse, no segundo debate presidencial, aproximando-se da posição russa e síria de que todos os que combatem o regime são terroristas. No mesmo debate disse que o Leste de Alepo, onde 250 mil pessoas estão cercadas pelo Exército sírio e são alvo de constantes ataques aéreos, “já praticamente caiu”.

“Um dos grandes perdedores destas eleições são os sírios” que se revoltaram contra Assad, afirmou ao Jerusalem Post  Shadi Hamid, analista da Brookings Institution em Washington, dizendo acreditar que o regime sírio, já impulsionado pelo apoio incondicional da Rússia e do Irão, “se vai sentir reforçado tanto diplomática como militarmente”. “Estamos optimistas, moderadamente optimistas”, com a eleição de Trump, confirmou à Reuters o deputado sírio Sherif Shehada.

Maior influência da Rússia?

Um recuo americano no Médio Oriente traduzir-se-á num reforço da influência da Rússia que, depois de anos quase ausente na região, intervém desde o ano passado sem reservas na guerra da Síria, ao lado do Irão. Nos últimos meses o candidato republicano e o Presidente russo, Vladimir Putin, trocaram elogios, e alguns analistas acreditam que poderá surgir uma coligação de interesses contra o terrorismo. “A visão de Trump sobre o ISIS é mais próxima da de Putin do que da de Riad”, explicou ao jornal israelita Julien Barnes-Dacey, do European Council on Foreign Affairs.

É imprevisível como reagirão os aliados árabes a esta “traição” aos rebeldes sírios e à perda de influência americana no Médio Oriente – Barnes-Dacey acredita que o recuo fomentará mais acções unilaterais das potências regionais. É também incerto a margem de manobra que Trump terá junto dos europeus e da sua opinião pública, seja para uma aproximação a Moscovo, seja para assistir impávido ao esmagamento da rebelião síria. E vários observadores lembram que terá dificuldade em conciliar esta estratégia com a promessa eleitoral de “abortar” o acordo nuclear com o Irão, principal aliado no terreno de russos e iranianos.

Israel, que vê com agrado eleição de um Presidente que promete não se opor à construção de novos colonatos em territórios palestinianos, mesmo dizendo apoiar a solução dos “dois Estados”, receia mais do que ninguém este desinteresse americano pela região. “O reforço da influência russa e os esforços do Irão e da Turquia para projectar a sua influência não são do nosso interesse”, disse ao Jerusalem Post Bruce Maddy-Weitzman, professor da Universidade de Telavive. “Os EUA têm um papel a desempenhar na manutenção do equilíbrio de poder que é essencial para Israel sobreviver. Sem esse balanço, a região vai tornar-se muito mais perigosa.”

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