Trump vai conseguir cumprir as promessas de campanha?

Acabar com o Daesh num mês, prender Hillary Clinton, construir um muro na fronteira Sul – o Presidente eleito vai perceber que os mecanismos de governação não tornam fácil fazer tudo o que apregoou.

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Mike Segar/Reuters

O Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, irá tomar posse debaixo de uma enorme pressão para rapidamente cumprir uma série de audaciosas promessas que constituíram a base da sua campanha eleitoral, do seu compromisso de sacudir o sistema em Washington e a promessa de deitar por terra o legado de Barack Obama.

Algumas das suas promessas mais dramáticas – por exemplo o cancelamento das medidas executivas “ilegais” de Obama – poderão ser realizadas logo nas primeiras horas da sua presidência. Outras prioridades, como a revogação e substituição do sistema nacional de saúde gratuito conhecido como Obamacare ou a construção de um muro na fronteira entre os Estados Unidos e o México, irão necessitar da autorização do Congresso, que será controlado pelos republicanos mas que mesmo assim ainda poderá levantar objecções em relação a alguns temas. Outras poderão enfrentar obstáculos políticos ou legais que poderão ser difíceis de ultrapassar.

Para Trump, a transição entre o que propôs (mudanças profundas) e o que pode fazer, devido à necessidade de obedecer aos complexos meandros do governo, será um duro desafio nos primeiros tempos na Casa Branca.

Prender Clinton

Uma das ideias de Trump poderá ser concretizada logo no seu primeiro dia na presidência: a anulação de medidas executivas assinadas por Obama, incluindo aquelas que evitavam a deportação de alguns imigrantes ilegais. É um procedimento habitual entre os novos presidentes cujos antecessores pertenciam ao partido político oposto. Obama assinou uma medida executiva a revogar a interdição, imposta por George W. Bush.

Outra promessa para os primeiros, dias, foi a nomeação de um procurador especial para investigar a sua rival democrata derrotada, Hillary Clinton. Este passo [que terá sido posto de lado, pelo menos assim indicava o discurso de vitória de Trump],  poderia tornar-se um risco político. Ao perseguir a opositora, Trump poderia colocar em risco as hipóteses de chegar aos milhões de norte-americanos que não votaram nele.

“É claro que ele podia [persegui-la], mas isso teria um efeito devastador e iria abrir um precedente muito negativo, que vemos acontecer em países do Terceiro Mundo”, onde os vencedores de eleições muitas vezes mandam os seus opositores para a prisão, diz John Banzhaff III, professor de Direito Público na Universidade George Washington, em Washington D.C..

Acabar com o Obamacare

A revogação do Obamacare necessita da aprovação do Congresso, tal como acontece com o fim de alguns impostos sobre empresas que deslocalizam as suas operações para o estrangeiro, o fim das leis que limitam a poluição e a produção de carvão, a extinção de zonas livres de armas em redor das escolas e a renegociação do tratado nuclear com o Irão.

Mas Trump tem autoridade para renegociar acordos comerciais como o NAFTA [Tratado Norte-Americano de Comércio Livre], de que é adversário desde há muito – e do qual pode sair com um aviso prévio de seis meses, se assim o desejar. Mas essa decisão poderá ter um efeito catastrófico nos mercados de valores e na economia em geral.

Durante anos, os republicanos no Congresso tentaram impedir ou anular a promulgação da lei do sistema de saúde por parte de Obama, mas o Presidente conseguiu sempre detê-los. Agora, porém, ao assegurarem a manutenção da maioria nas duas câmaras do Congresso, estão finalmente em posição de o conseguir, em colaboração com o novo Presidente republicano.

E se bem que Trump tenha passado inúmeras horas da campanha a atacar o Obamacare, ainda não explicou efectivamente o que irá propor como alternativa. Trump disse que iria encorajar a criação de contas poupança-saúde, permitir que as seguradoras vendessem apólices em qualquer estado do país e converter o Medicaid, que passaria de um programa nacional de benefícios grátis generalizados para verbas bem definidas entregues em bloco aos governos estatais e utilizadas por estes segundo os seus critérios particulares. Ideias desde há muito defendidas pelos congressistas republicanos mais conservadores.

Quanto ao resto do plano de Trump, todo o que o Presidente eleito assegurou aos apoiantes foi que vai fazer algo “espectacular”, que será “muito melhor, muito melhor, muito melhor”.

O muro

A construção de um muro na fronteira Sul iria exigir que o Congresso aprovasse uma verba na ordem das centenas de milhões de dólares. Trump não tem poderes para obrigar o México a pagar o muro, como repetidamente prometeu que faria, apesar de poder pressionar o governo mexicano com ameaças de limitações nas trocas comerciais.

A História mostra que pode ser difícil cumprir promessas fáceis de enunciar em frente de multidões de apoiantes em campanha eleitoral. Por exemplo, Obama promulgou imediatamente uma lei a fechar a prisão militar para suspeitos de terrorismo em Guantánamo, Cuba, mas membros de ambos os partidos no Congresso travaram a decisão. A pouco tempo do fim da presidência Obama, Guantánamo continua a funcionar.    

Muçulmanos

A vigilância apertada sobre as mesquitas dos Estados Unidos, que Trump tem defendido, iria exigir que os tribunais revissem legislação e direitos constitucionais. E se quiser levar avante a sua proposta de proibir a entrada de muçulmanos no país – deixou de falar neste tema nos últimos meses da campanha eleitoral, agora o tema desapareceu memso do site oficial da sua campanha –, terá que levar o assunto aos tribunais uma vez que a proposta é anticonstitucional, dizem os especialistas em Direito.

Eventualmente, Trump poderia conseguir banir um reduzido número de muçulmanos que tenham vivido em zonas controladas por terroristas do Daesh, pois as leis da imigração permitem alguma liberdade de actuação se estiver em causa a segurança nacional.

Outro dos temas nas promessas de Trump relaciona-se com a alteração das prioridades dos organismos e agências federais. Isso exigiria conseguir que o Congresso disponibilizasse mais dinheiro para programas que já estão em execução, tal como a deportação de imigrantes ilegais com cadastro criminal e promessas mais vagas como “consertar o Departamento dos Veteranos [ex-combatentes]” e “começar a tomar conta do exército e dos militares”.

Guerra ao Daesh

Na área da segurança nacional, onde os presidentes tradicionalmente têm mais margem de manobra, Trump pode ordenar aos seus chefes militares para, no prazo de um mês, apresentarem um plano para deter o Daesh, como prometeu. Mas se esse plano exigir o envio de tropas para o Iraque e uma possível invasão da Síria, um Congresso receoso de guerras teria que concordar em financiar um grande aumento nas despesas militares sem um limite temporal visível.  

Mesmo que um tal plano se apoiasse no departamento de acções secretas da CIA e fosse levado a cabo em segredo, Trump teria ainda que enfrentar limites ao que poderia fazer. E teria que contar com o que os homens da CIA, da Agência Nacional de Segurança e de outros departamentos dos serviços secretos estivessem dispostos a fazer.  

Um exemplo: se Trump aprovasse a prática de tortura com terroristas - como prometeu que faria -, enfrentaria imediatamente obstáculos de natureza legal e resistências por parte dos advogados e operacionais da CIA, que ainda estão a recuperar de mais de uma década de revelações e críticas públicas em relação a técnicas de tortura e prisões secretas (no pós -11 de Setembro), sublinham responsáveis dos serviços secretos.

Trump teria ainda que convencer o Congresso a revogar a proibição de tortura aprovada por George W. Bush em 2006 e a proibição do Congresso que proibe qualquer interrogatório que ultrapasse os limites, muito restritos, impostos pelo Manual de Combate do Exército.

Trump poderia pedir aos serviços secretos e aos advogados da Casa Branca que elaborassem um novo conjunto de métodos para interrogatórios duros que não violem as leis dos Estados Unidos e que não cheguem à tortura, que é proibida pelas leis internacionais e norte-americanas, explica John Rizzo, um dos principais conselheiros jurídicos da CIA. Mas, avisam Rizzo e mais meia dúzia de antigos membros da CIA, “isso seria considerado um retrocesso” por muita gente nos serviços secretos, sobretudo depois do desgaste causado à reputação das agências com as tais revelações sobre o uso no passado de medidas extremas.

*com Jenna Johnson

Exclusivo PÚBLICO/"The Washington Post”

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