Trump levou políticos portugueses a felicitações e "ataques cardíacos"
Apesar dos receios de alguns políticos portugueses em relação à eleição de Donald Trump, do lado da Presidência da República e do Governo o tom oficial foi cauteloso, preferiu sublinhar-se a “longa” relação entre os dois países.
Logo pela manhã, houve as reacções institucionais, de um país democrático que cumprimenta outro país democrático pelo resultado de umas eleições livres. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, fez questão de felicitar o recém-eleito Donald Trump, ainda não eram 9h, através de uma nota oficial. Mas não vale a pena fazer de conta que a vitória do candidato republicano nos Estados Unidos não provocou sobressalto. O vice-presidente da Assembleia da República, o bloquista José Manuel Pureza, por exemplo, não o esconde. Nem a social-democrata Mónica Ferro que se despede, ao telefone, com a expressão: “tempos agitados”.
A também professora de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas diz mesmo que ia tendo um “ataque cardíaco” quando, por volta das 2h30, começa a ver o avanço do candidato republicano em relação à democrata Hillary Clinton, por quem torcia. Mas, passada a incredulidade inicial, a interrogação que se levanta é: E agora? Como vai ser?
“Depois do primeiro impacto de estupefacção e perplexidade, é preciso fazer uma leitura cuidada das causas desta situação”, diz José Manuel Pureza, também professor de Relações Internacionais em Coimbra. Apesar de defender que é preciso reflectir sobre as razões desta vitória, o deputado bloquista adianta já um possível diagnóstico: “Esta vitória de Trump é proporcionada por uma camada social muito vasta, um eleitorado muito vasto, que não deve ser julgado como estúpido, iletrado, como não tendo qualquer racionalidade. Não, não. Penso que esta vitória decorre de os eleitores se sentirem muitíssimo castigados na sua vida quotidiana, na área do trabalho, e de estarem muito receptivos a um discurso primário, que lhes promete segurança e dias gloriosos.”
Make America great again – o slogan repetido por Donald Trump que convenceu muitos norte-americanos: “É a promessa de que a segurança vai regressar às suas vidas”, diz Pureza. Foram eleitores que se sentiram, de alguma forma, ameaçados nos seus empregos e que encontraram resposta no discurso de Trump: “Um discurso típico da extrema-direita, de rejeição dos imigrantes, porque estão a tirar os empregos, o que é falso e aberrante”, sublinha o deputado do BE, para quem a vitória de Trump é também “um sinal de que a globalização, tal como a conhecemos”, foi feita “sem qualquer preocupação distributiva” e está a ter “efeitos devastadores” nas sociedades.
A “longa relação histórica”
“As pessoas vivem um sentimento de insegurança total, a extrema-direita está a cavalgar isso e Trump fê-lo de maneira hábil.” Pureza não esconde o receio: “O seu eleitorado vai exigir ao seu Presidente que seja aquilo que prometeu ser. Trump não vai dizer que estava só a brincar e que agora vai ser um Presidente como os outros. Temo que isso o leve a adoptar medidas e comportamentos que são repugnantes do ponto de vista democrático, no que respeita aos imigrantes, à diversidade cultural e às mulheres.”
Numa nota oficial, o PCP também demonstrou apreensão, considerando que Trump “poderá aprofundar ainda mais a política externa reaccionária e agressiva dos EUA”.
Já o deputado socialista Miranda Calha usa palavras mais cautelosas na sua avaliação. É certo que preferia a candidata democrata, mas admite que Trump “deve ter tido uma sensibilidade forte para compreender o sentimento mais profundo dos americanos” relativamente à crise, ao desemprego. “Não me surpreendeu quando ouvi um luso-descendente nos Estados Unidos defender Donald Trump, porque dizia que é a melhor solução para o desenvolvimento dos negócios”, ilustra.
Mónica Ferro faz uma leitura parecida. “Trump surge como homem de negócios no seu grande avião, que sabe gerar riqueza e emprego, e isso é sedutor para quem está à espera de ser apanhado pela recuperação económica. O nível de expectativa é muito grande para o eleitorado dele, esse é o grande desafio de Trump”, nota, ressalvando que o agora eleito Presidente dos Estados Unidos disse o que os americanos que não estão a beneficiar da retoma económica “querem ouvir” ou “querem dizer, mas não têm coragem”.
O registo das declarações oficiais sobre a vitória de Trump foi, porém, diferente. A tónica foi sobretudo a de vincar bem a relação entre Portugal e os Estados Unidos. Marcelo Rebelo de Sousa felicitou o seu novo homólogo americano, referindo os laços de amizade que unem os dois países e, da parte do Governo, a reacção surgiu num comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros que também felicitava Trump: “Portugal e os Estados Unidos estão unidos por uma longa relação histórica, por muitos interesses comuns e pela presença de uma importante comunidade portuguesa e lusodescendente residente naquele país. A cooperação entre as duas nações é vasta e diversificada, abrangendo áreas como a defesa e segurança, o comércio e investimento, a ciência e a tecnologia.” O primeiro-ministro também o disse: “Temos por hábito respeitar as decisões democráticas dos povos de quem somos amigos e com quem temos relações.”