A tragédia de Hillary Clinton

Hillary foi "a candidata errada para o actual momento político”, dizem os analistas. Depois da derrota de 2008, a hecatombe eleitoral de terça-feira enterra o sonho de ser a primeira mulher a chegar à presidência americana.

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Clinton apresentou-se como o “par de mãos seguras” que a América precisava Carlos Barria/Reuters

Ela foi a escolha “natural” do Partido Democrata para estas eleições, a “pessoa mais qualificada que alguma vez concorreu à Casa Branca”, nas palavras do seu antigo adversário Barack Obama, a mulher que iria “quebrar o tecto de vidro” para ser a primeira a ocupar a Sala Oval. Mas o dia 8 de Novembro de 2016 terminou em humilhação, desfazendo em mil pedaços a ambição de Hillary Clinton – a estudante brilhante, a advogada sagaz, a política experiente não teve armas para bater um candidato que é em tudo o seu oposto.

Em 2016 é impossível não lembrar 2008 e não recordar como o então jovem senador do Illinois, negro e filho de pai queniano, bateu Clinton nas primárias democratas, assumindo-se como o candidato da mudança que os EUA esperavam após dois mandatos de George W. Bush. Uma derrota pesada para a então senadora, mas que perde importância perante a enormidade do desaire de terça-feira – “sou última pessoa no caminho que nos separa do Apocalipse”, dissera em Outubro, ao New York Times.

Foi nesse tabuleiro que a candidata jogou. Ela era o “par de mãos seguras” que a América precisava, “a heroína” do “americano comum”, a candidata do pragmatismo que faltava a Bernie Sanders (o inesperadamente duro de roer rival nas primárias democratas), a antítese do populismo, da xenofobia e da misoginia de Trump.

O problema, dizem os comentadores, é que ao afirmar-se como contraponto dos adversários fez deles peças centrais da sua campanha, esvaziando-a das propostas que a distinguiam. “Não ajudou que a única coisa que Clinton tivesse para vender fosse ela própria. A mensagem mais forte da sua campanha era a de que só ela tinha as qualidades necessárias para ser Presidente”, escreveu o Guardian. Craig Stevens, antigo porta-voz do antigo candidato republicano Mitt Romney, é ainda mais ácido: “Ela nunca foi, ao longo dos dez anos em que quis ser Presidente, capaz de articular qualquer outra razão para votar nela para além do facto de ser mulher.”

Há quem veja em muitas das críticas que lhe são feitas o resultado do sexismo que ainda impera na política – Trump chegou a dizer que a rival não tinha “a resistência física” para ser Presidente – e quem sublinhe que a personalidade reservada a impede de gerar a empatia necessária com os eleitores. E são muitos os democratas que atribuem um papel central na derrota ao ressurgimento, a menos de duas semanas das eleições, da investigação do FBI aos e-mails que enviou quando foi secretária de Estado através de um servidor pessoal.

Mas se Clinton não foi capaz de furar a barreira de antipatia que acumulou ao longo de décadas de vida pública – em toda a história presidencial americana só Trump foi mais impopular do que ela –, os analistas acreditam que, mais do que qualquer outra coisa, Clinton foi derrotada pelo momento político actual, pela maré de rejeição da globalização que varre o Ocidente, e que já antes dera ao mundo o “Brexit.

“Sim, ela tinha um currículo impressionante e trabalhou no duro durante a campanha, mas ela era exactamente a candidata errada para [confrontar] este movimento populista e furioso” escreveu no Guardian o jornalista e historiador Thomas Frank, num artigo em que acusa a elite democrata de ter posto os seus interesses à frente dos interesses do país, ao estender a passadeira vermelha a Clinton – “uma insider, quando o país gritava para um outsider”. O grito da América branca e rural que elegeu Trump, mas que já antes tinha sido dado por aqueles, sobretudo os mais jovens, que antes se entusiasmaram com a social-democracia de Sanders e que Clinton nunca conseguiu cativar.

Edward-Isaac Dovere, que acompanhou a campanha democrata, escreveu no Politico que os estrategos de Clinton perceberam há meses que tinham de contornar a fúria anti-sistema que catapultou Sanders e Trump. Apostaram em mostrar Clinton como a antítese dos rivais, geriram uma campanha milionária e eficiente, “mas nada disso foi suficiente”. “Ela não conseguiu escapar ao facto de ser a candidata errada para o actual momento político”. 

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