Ficção científica de câmara

Um inteligentíssimo filme de ficção científica humanista, “de câmara”, que não precisa de encher o olho para contar a sua história: O Primeiro Encontro.

Um filme que articula a ideia de comunicação por oposição a silêncio
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É instrutivo olhar para O Primeiro Encontro e pensá-lo ao lado daquilo que, normalmente, a maior parte das pessoas entende como ficção-científica – coisas como O Dia da Independência ou o grosso das franchises da Guerra das Estrelas e do Caminho das Estrelas, mais próximas da lógica dos “episódios” que decorrem no interior de um universo pré-definido. Mas esta adaptação de um conto premiado do escritor Ted Chiang aponta como a “chave” do género pode ser encontrada numa outra dimensão, mais intimista, mais prosaica, mais – se quisermos – terrestre.

O novo filme de Denis Villeneuve, depois do excelente Sicario – Infiltrado (2015), começa por confirmar que o canadiano é um dos nomes mais interessantes a trabalhar hoje dentro do sistema americano, e que a sua escolha para dirigir a sequela de Blade Runner não é tão descabida como parecia à primeira vista. A sua história da chegada de uma “armada” de naves extra-terrestres, e das tentativas de uma linguista (Amy Adams) de estabelecer comunicação com os visitantes, é um filme “de câmara”, que praticamente nunca sai do seu cenário único – a base improvisada no Montana onde os americanos tentam “fazer contacto” – e que se concentra na dimensão humana, emocional, da situação. Menos interessado em “encher o olho” do que em levar o espectador a pensar consigo, O Primeiro Encontro está mais próximo de obras recentes como Gravidade de Alfonso Cuarón ou Interstellar de Christopher Nolan, ou da ficção científica mais séria dos anos 1970 (como A Ameaça de Andrómeda, À Beira do Fim ou O Cosmonauta Perdido).

Ao mesmo tempo, é um filme que articula a ideia de comunicação por oposição a silêncio, de partilha por oposição a isolamento, dentro de um quadro que reduz tudo à sua dimensão humana e, ao mesmo tempo, defende a abertura como movimento para o futuro num mundo onde a tendência é exactamente a oposta. Louise, a linguista a que Amy Adams empresta uma tocante fragilidade, está marcada por uma tragédia pessoal que a assombra, mas que também lhe permite estar atenta a sinais e pormenores, aos factores que possam desbloquear o entendimento com uma inteligência alienígena que nada tem a ver com a nossa própria mas que pode apenas estar a querer começar uma conversa.

Depois de Emily Blunt em Sicario, Villeneuve confirma com Adams ter um talento especial para deixar os seus actores à vontade. Mas a precisão por vezes demasiado certinha da sua encenação, a seriedade muito sisuda e intensa com que narra e que tanto ajudava a fazer de Sicario um filme de primeira água, “tolhem” O Primeiro Encontro e impedem-no de se libertar da gravidade que lhe pesa em cima. Não é, contudo, um problema que um filme de ficção-científica adulto, inteligente, bem pesado e bem medido seja sisudo em excesso; é, mesmo, preferível à alternativa que enche o olho mas não tem nada a dizer. E, por onde se quiser ver, este é, de facto, um bom filme.

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