350 milhões de mulheres não terão acesso à Internet em 2020 – a não ser que...

Organização One, co-fundada por Bono, apresenta esta terça-feira em Lisboa relatório com caminhos para um acesso mais paritário à web nos países em vias de desenvolvimento. Utilizadores do Netflix gastam num dia a mesma quantidade de dados que África numa semana.

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O estudo vai ser apresentado na Web Summit AFP/PATRICIA DE MELO MOREIRA

Mais de metade da população mundial não tem ligação à Internet e desses 3500 milhões de pessoas as mulheres e as raparigas dos países mais pobres têm ainda menos probabilidades de ter acesso à rede – menos 31% de probabilidades, segundo a ONU. Mais de dois terços das africanas arriscam-se a continuar offline em 2020 e um novo relatório da organização não-governamental One propõe um plano de acção que ligue até lá 350 milhões de mulheres de países em vias de desenvolvimento à Internet. É que, sublinha o estudo, os utilizadores de um serviço cada vez mais ubíquo como o Netflix gastam num dia a mesma quantidade de dados que África usa numa semana.

O relatório Making the Connection é apresentado esta terça-feira em Lisboa na Web Summit, pelo autor do estudo, David McNair, um dos principais jovens nomes do sector da política externa e da organização-campanha co-fundada por Bono, dos U2, com o fim de combater a pobreza e promover a saúde, com foco em África. O documento, a que o PÚBLICO teve acesso, reforça dados de outros estudos anteriores de várias entidades – não só sobre como África está tão às escuras no que toca à luz da Internet, mas também sobre o “risco de isolamento da revolução digital” que correm sobretudo as mulheres e raparigas de países mais pobres, que têm menos 31% de probabilidades que os seus congéneres masculinos, de ter acesso à web. Tudo está ligado ao desenvolvimento e uma ligação à Internet com condições físicas e de literacia é um caminho para combater a pobreza.

São motivos “culturais, sociais e económicos”, ou “barreiras”, como indica o estudo, que fazem com que a organização One escreva que se nada for feito no imediato, “mais de 71% das raparigas e mulheres africanas continuarão sem estar online em 2020”. A One estima que, dada a tendência actual de evolução da penetração da Internet no planeta, isso significará que, globalmente, 350 milhões de raparigas e mulheres ficarão para trás em relação aos objectivos da ONU que incluíam o acesso universal e acessível nos países em vias de desenvolvimento até 2030.  

A “pobreza é sexista”, lê-se no cabeçalho da página de rosto do documento, e a directora de política pública da organização frisa ainda que a “pobreza é isolamento”.  “A Internet é uma oportunidade de mudar isso e de ajudar as mulheres e raparigas a reclamar o seu direito à educação, ao emprego e à dignidade”, diz Eloise Todd em comunicado. O estudo destina-se a apelar aos “líderes mundiais”, aos “governos dadores”, mas também às “empresas de telecomunicações e aos bancos” que se associem para planear mudanças físicas – que as novas estradas sejam construídas já com uma estrada subjacente de banda-larga, por exemplo, mas também que haja educação para a literacia digital feminina nestes países, por exemplo.

Numa Web Summit com vários painéis dedicados à situação das mulheres perante a tecnologia e com bilhetes especiais para centenas delas, o estudo sublinha que uma das mais revolucionárias ferramentas de empoderamento passou ao lado de quase 75% da população africana e de muitos países em vias de desenvolvimento – num país desenvolvido, há 19% de pessoas sem acesso à web; num país em vias de desenvolvimento, esse número escala para 85%, dizem dados da agência da ONU para as tecnologias da informação (ITU). Os mesmos números mostram que nessas nações 63% de homens não tem acesso à Internet e que a percentagem feminina sobe para os 75%.

Listando as suas prioridades para integrar digitalmente estas mulheres e jovens mulheres, a One preconiza a necessidade de os governos tornarem prioritário que as salas de aula tenham ligação à Internet e materiais para a literacia digital, além da formação dos professores; fazem falta mais conteúdos locais, mais espaços seguros em que as mulheres estejam protegidas de assédio seja online seja offline; o mesmo para a fiabilidade dos dados sobre a conectividade dos países ou mesmo a sua simples existência, nomeadamente detalhados por género, bem como incentivar as operadoras a fornecer dados, sem pôr em causa a privacidade, sobre a distribuição geográfica das utilizadoras ou potenciais utilizadoras.

No que toca às infraestruturas, e com o sucesso das tecnologias e acessos móveis, os telefones não são contudo o meio mais acessível para as mulheres, cujos rendimentos mais baixos ou inexistentes condicionam o seu uso. Por isso, recomenda a One, “os governos devem aumentar o investimento nas infraestruturas tecnológicas” e também abrir mercados tendencialmente monopolistas a pequenas operadoras ou novos players que possam fornecer preços mais baixos.

“A pobreza é sexista", reitera David McNair no relatório, ecoando as palavras de parceiros como Melinda Gates ou Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, e, "de tantas formas diferentes, as raparigas e as mulheres são mais atingidas e têm menos oportunidades do que os homens e não é diferente no que toca ao acesso à Internet”, remata o autor.

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