Roosevelt e o isolacionismo americano

Seja quem for que ganhe, fará do actual Presidente “o último de uma linhagem de internacionalistas sérios e empenhados que ocuparam a Sala Oval”.

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Rezam as crónicas que Winston Churchill conseguiu finalmente dormir um pouco mais descansado quando o seu mordomo lhe veio dizer que os japoneses tinham bombardeado Pearl Harbor e destruído a frota naval americana no Pacífico. Faltava pouco para as oito horas da manhã do dia 7 de Dezembro de 1941. O leão britânico, que defendeu sozinho a sorte da Europa e da liberdade contra Hitler, esperava ansiosamente que os Estados Unidos declarassem guerra à Alemanha. Roosevelt continuava a lutar contra a barreira do isolacionismo que dominava o Congresso e a opinião pública. Declarou a guerra ao Japão no dia seguinte e Hitler resolveu o problema da Europa por ele ao declarar a guerra aos Estados Unidos dois dias depois.

Roosevelt não foi um Presidente qualquer. Foi, com Churchill, a grande figura política que definiu a História do século XX. Foi eleito em 1933 para enfrentar a Grande Depressão que se seguiu ao crash de 1929. Lançou o New Deal, o primeiro grande passo para a criação de um Estado social que garantisse que ninguém ficaria para trás no seu direito a ter uma vida decente. Na Europa, os ventos eram contrários: a crise gerou o pior dos nacionalismos. Quando a guerra foi declarada depois da ocupação da Polónia, em 1939, Roosevelt sabia que o interesse americano levaria o seu país a regressar ao velho continente para salvar o mundo livre. O problema era chegar lá. Tinha pela frente a barreira intransponível do isolacionismo, que se opunha a qualquer envolvimento na guerra europeia. Teve uma enorme dificuldade em fazer aprovar no Congresso uma lei que garantia que a Inglaterra e a França receberiam dos EUA o armamento e os bens essenciais para aguentar a resistência a Hitler (Março de 1941). Em 1940, em plena campanha pelo seu terceiro mandato, teve de jurar várias vezes que não envolveria a América na guerra. Em privado, tinha garantido a Churchill que não o deixaria sozinho. Via Hitler como uma ameaça à segurança da América. O isolacionismo que tinha nascido depois da I Guerra Mundial (o Congresso rejeitou a participação americana na Sociedade das Nações, criada por iniciativa de Wilson) não dava sinais de ceder.

Vale a pena recordar este capítulo da história americana para compreender melhor o que se passa hoje. Trump defende o isolacionismo e o proteccionismo que uma boa parte dos americanos desejam, depois de mais de duas décadas de intervencionismo e de globalização, que vêem como a raiz dos seus males. A globalização destruiu os bons empregos da indústria e aumentou as desigualdades. O intervencionismo custou muito dinheiro e vidas humanas. Não estão disponíveis para pagar a segurança mundial, da qual se acham protegidos por dois oceanos e por uma economia que recupera a sua pujança. Não são apenas eleitores de Trump. O sucesso de Bernie Sanders nas “primárias” tem a mesma raiz.

O contexto mundial é hoje muito diferente daquele que existia antes da II Guerra. A revolução tecnológica mantém o mundo em rede permanente. O poder americano está a ser desafiado por novas potências. As democracias estão a ser desgastadas por dentro por redes sociais que alimentam a demagogia e o primarismo. Se ganhar, Hillary terá de contar com estas duas grandes tendências, que não partilha, mas que serão uma barreira à sua visão internacionalista do poder americano. Terá de fazer cedências. Mas não se espera que retire a única superpotência mundial da ordem liberal que Roosevelt criou e que continua a ser do interesse americano preservar. Escrevia Gideon Rachman no Financial Times que muita gente acusa Obama de ser o “capitulacionista-em-chefe”. Seja quem for que ganhe, fará do actual Presidente “o último de uma linhagem de internacionalistas sérios e empenhados que ocuparam a Sala Oval”.

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