A Internet está a tornar-nos mais estúpidos? Mais engraçados, pelo menos

Comediante David Schneider tornou uma pergunta apetitosa numa constatação de tweets e posts: é tudo uma questão de perspectiva.

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David Schneider, “actor, realizador e agora ‘pessoa das redes sociais’” Nuno Ferreira Santos
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David Schneider tem pequenos papéis em filmes como 28 Dias Depois ou Missão: Impossível Nuno Ferreira Santos
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A pergunta é apetitosa: “A Internet está a tornar-nos mais estúpidos?”. A resposta, embora indirecta como a comédia permite, é simples para David Schneider, “actor, realizador e agora ‘pessoa das redes sociais’” – ela até pode estar a fazer-nos um pouco mais básicos e dispersos, mas entretanto torna-nos engraçados. Um parente morto que volta como zombie no Facebook, uma resposta sarcástica de um cantor e um momento Donald Trump na Web Summit, esta terça-feira.

No canto do pavilhão 1, o espaço do painel Future Societies acolheu conferências com muito mais pessoas do que cadeiras para as ouvir. O britânico, que fez uma sessão morna e não-oficial de stand up comedy sobre “Is the Internet making us more stupider?”, fez do seu erro de inglês propositado o primeiro piscar de olho.

A audiência levantou as mãos para confirmar que leva o telemóvel para a casa de banho, e depois em menor número quanto às que juntam esse hábito ao conhecimento de Madame Bovary. Riu-se do Pensador de Rodin versão sanitários com telefone na mão, de fotos que seriam classificadas como “Fails” quando um retrato a dois se torna numa queda. Adorou a história agridoce da sobrinha que lamenta a morte do tio via Facebook; horas depois, a conta de Facebook do tio volta à vida, com ele a anunciar que é um zombie; duas horas depois, o primo revela que era ele, a mexer nas redes sociais do pai, últimos assuntos pendentes. Risos e likes.

Qualquer coisa entre uma colecção de anedotas recentes da Web e uma série de constatações sobre a Internet, esse termo tão vago quanto o seu espaço, sobre a qual tanta gente partilha uma experiência. “Durmo a fazer conchinha com o meu telefone”, admitiu, para gáudio geral.

Schneider, que faz carreira como actor com pequenos papéis em filmes como 28 Dias Depois ou Missão: Impossível, ou como parceiro de Rowan Atkinson em Mr. Bean e em séries de Armando Iannucci, tem a sua própria consultora para redes sociais, a That Lot – quase toda a gente tem algo para promover na Web Summit. O seu negócio é online, como são ou serão os de pequenas empresas que se estão a promover no Pavilhão 1. E que evidenciam, mais uma vez, como a fronteira entre a possibilidade e a improbabilidade é ténue no mundo online.

Há a Lemur, uma app para encontros amorosos entre animais de estimação. Há um homem com óculos de realidade virtual, mas sentado numa máquina de remo a aliar, como pretende a Virtual 360fit, os jogos com o exercício físico. O WOKcraft brinca com a sigla do jogo World of Warcraft mas propõe-se a gamificar a Wikipedia, com 300 mil quizes num World of Knowledge. As conferências e palestras adornam os negócios, às dezenas. Há muitas selfies e muitas baterias extra para os smartphones.

“Tanto os livros quanto a Internet impedem as crianças de ir brincar lá fora”, constata Schneider, mas só a Web tem má reputação. Agora anda toda a gente de olhos no espelho negro do ecrã do telemóvel, mas “nos bons velhos tempos” isolavámo-nos atrás de um jornal no autocarro.

Há tweets aleatórios sobre uma brisa irrelevante antes do nascer do sol, mas a viralidade também consegue lançar hashtags como #jesuischarlie. Ou hashtags como #fourwordsaftersex.“Devíamos celebrar podermos ser como os corvos e picar diferentes pedaços de conhecimento”, defendeu, mas há um risco na “superficialidade”, disse, num dos raros momentos em que não ria nem via o lado positivo da forma como a Internet molda a cultura.

Lembrou o fenómeno Trump, num dia em que a Web Summit não esqueceu as eleições nos EUA. “O nosso algoritmo pessoal tende a juntar-nos com aqueles que pensam como nós e a polarizar-nos”, disse David Schneider. Foi o que aconteceu com Donald Trump, defende, ou com a decisão pró “Brexit”.

Sim, a Internet envolve problemas de concentração, narcisismos como os selfies – e sobe para o ecrã a foto em que Hillary Clinton posa num pequeno caixote para que dezenas de mulheres, separadas dela por uma grade, pudessem virar-se de costas para ela e fazer uma foto com a candidata democrata. “Aqui vejo um sentimento de comunidade”, diz, para risos tímidos da audiência, “lembra-me um ritual religioso. Os rituais unem-nos”.

Afinal, defendeu o britânico, por muitas partilhas idiotas ou vazias, há muitas “histórias humanas” que passam pela Internet. É um poço de criatividade, que jorra e distribui, das meninas que brincam com o Snapchat aos que fazem humor (voluntário) em 140 caracteres. A saga de um utente dos comboios que ficou sem papel na – sim, outra vez – na casa de banho e tweeta para a operadora, que vai em seu auxílio e lhe dá o salvador rolo; as piadas sobre como alguém “achava que Ariana Grande”, a jovem estrela pop, “era um tipo de letra”; as críticas ao cantor James Blunt, quando uma utilizadora dizia que ele “tem uma cara irritante e uma voz que enerva”, a que ele respondeu brilhantemente “e não tenho hipoteca”. Viver melhor com a Web tem, “tem a ver com educação”. “Pode mudar o sentimento em relação a alguém ou a uma marca”, terminou, sintomaticamente, o comediante.  

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