Trolls: Os verdadeiros vencedores destas eleições

Por regra, os memes não são alvo de investigação. Mas quando se suspeita que estas imagens virais têm como objectivo diminuir a afluência às urnas, já merecem análise séria, como a investigação que agora foi decidida pelo Procurador-Geral da Pensilvânia.

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Donald Trump, desde o início da campanha, tem sido apoiado por um contingente de devotos do website 4chan que divulgam memes, suásticas e slogans de campanha MANDEL NGAN/AFP

O meme (imagem ou unidade de informação que se espalha pela Net) de "votação online" que está a circular no Facebook, Twitter e Instagram nas últimas semanas é um gráfico que se faz passar por oficial, garantindo aos Democratas da Pensilvânia que para votar na terça-feira basta publicar "Hillary" na rede social que preferirem. Claro que numa eleição não se vota como no American Idol (Ídolos). Em nenhum estado se pode votar com uma hashtag. E foi por isto mesmo que o meme escandalizou os apoiantes de Hillary Clinton e o governo do estado da Pensilvânia. 

Este meme, de acordo com quem o divulgou, não foi nada mais do que trolling típico adolescente, mas ainda assim calculado. Trolling são actos inflamatórios online nas redes sociais ou em qualquer secção pública de comentários cujo único objectivo é chamar a atenção e criar perturbação.

"Vi o meme no Twitter e achei piada. Partilhei-o para dar umas gargalhadas", conta Rick Barbee, um dos primeiros que partilhou o meme "votação online" fora do canal original 4chan (um site no qual se pode comentar e partilhar imagens de forma anónima). Rick Barbee partilhou este meme pelas gargalhadas, pelo lulz — porque estas eleições são as eleições do lulz (um tipo específico de malícia próprio quando irritamos outra pessoa no mundo online).

Para quê fazer chorar um menino de 9 anos no YouTube ou inundar o Second Life com imagens racistas? Por causa dos lulz, da piada, claro. De acordo com a Encyclopedia Dramatica, uma enciclopédia paródica e, portanto, um exemplo típico de lulz, "fazer qualquer coisa na Internet pelos lulz, é a desculpa perfeita para fazer seja o que for".

Mas nesta era os lulz ganharam uma importância que vai bastante além da justificação juvenil: são os primeiros meios para obter reacções de pessoas com perspectivas diferentes das nossas. Lulz são uma visão do mundo, um ponto de vista, uma filosofia política. São a base de um diálogo cívico, enraizada em cinismo, distanciamento e misantropia pura e dura.

As notícias falsas e a desinformação fazem parte do pacote, bem como as técnicas de rebaixamento tradicionais das subculturas troll. Mas os lulz também alimentam — e, por vezes, explicam — o aumento verificado este ano do discurso racista, sexista e anti-semítico.

"Os lulz tornaram-se proeminentes durante estas eleições como nunca se viu antes", explica a Dra. Whitney Phillips, professora de estudos literários na Mercer University e co-autora do livro sobre antagonistas na Internet prestes a ser publicado. "É perigoso contextualizar (lulz), separando-os ou apartando-os de puro extremismo.

Independentemente de o fazerem pela piada ou não, a mensagem não deixa de ser a mensagem."  

Isto aplica-se a ambos os lados do espectro político, claro. Não há dúvida de que os esquerdistas que procuram lulz conseguiram dar alguns bons golpes baixos neste ciclo eleitoral. Paul Horner, um trapaceiro de notícias que engana propositadamente os conservadores com os seus artigos de notícias falsas, recentemente escreveu no Facebook que mal pode conter a "alegria e as gargalhadas". Mas os trolls são animais necrófagos, explica-nos a Dra. Whitney Phillips, e são atraídos pelas feridas culturais que provocam mais raiva. Estamos a falar de questões relacionadas com raça, classe, género, abuso sexual, orientação sexual e religião.

Donald Trump, desde o início da campanha, tem sido apoiado por um contingente de devotos do website 4chan que divulgam memes, suásticas e slogans de campanha. Tornam populares hashtags como #Repealthe19th e #DraftOurDaughters para provocar as feministas. #Repealthe19th invoca a revogação da 19.ª Emenda à Constituição dos EUA que dá o direito de voto às mulheres. #DraftOurDaughters encoraja as mulheres a alistarem-se em operações militares que serão supostamente aprovadas por Hillary Clinton caso esta venha a vencer as eleições. Também há memes que justapõem a Estrela de David com imagens de Hillary Clinton para — tal como um troll no Twitter descreve na sua biografia — "ofenda-se se for Liberal, Politicamente Correcto, Feminista, Democrata ou o Piers Morgan".

Estrelas como Mike Cernovich, um blogger de direita, ou Milo Yiannopoulos, um colunista que escreve sobre tecnologia no Breitbart, tornaram-se populares com os seus próprios hashtags além de desempenharem papéis de destaque no movimento Trump fora da rede. Cernovich, um ex-sedutor profissional, é responsável, em grande medida, pelos rumores em volta da saúde de Hillary Clinton e encoraja os seus seguidores a viverem segundo o lema "conflito é atenção" e "atenção é influência". Entretanto, Yiannopolous foi publicamente suspenso do Twitter por incitar ao assédio racial contra a atriz Leslie Jones. Este defendeu-se afirmando que é um "brincalhão". Assediou a actriz como uma espécie de piada niilista — uma metáfora da cultura online.

Seria errado, porém, achar que a procura pelos lulz se fica pela Internet, quando os seus sintomas surgem noutras áreas da vida pública. Os apoiantes de Trump começaram a andar com t-shirts insultando Hillary "Trump that bitch" para, ao que parece, ver que pessoas reagem negativamente. "Só estou a tentar ser engraçadinho e a chamar a atenção", afirmou um comprador destas t-shirts à jornalista do The Washington Post, Jenna Johnson, em Junho último.

Num comício de Donald Trump em Phoenix no sábado, um homem com uma t-shirt afirmando "Hillary vai para a prisão" repetiu a expressão anti-semítica "Jew-S-A" em frente aos jornalistas para mais tarde negar que se tratava de anti-semitismo. No dia seguinte, noutro comício em Las Vegas, um músico de hip hop, contratado para manter os apoiantes de Trump entusiasmados, chocou a audiência com uma história grotesca na qual Hillary Clinton morreria num acidente de aviação.

Os memes "votação online" da Pensilvânia são apenas mais um exemplo. Os apoiantes de Donald Trump que partilharam o meme usaram linguagem a favor da limitação dos direitos de voto, mas há pouco que sugira que as intenções são sérias. "São como os miúdos maus da escola, que agem pela piada", comenta Brooke Binkowski, a editora do site Snopes, especialista em denúncias. "Não têm nenhuma agenda. Mas se provocarem alguma reacção, acham ainda mais piada."

Infelizmente para os miúdos maus da escola do movimento Trump — e ao contrário das promessas da Encyclopedia Dramatica — ninguém parece muito tranquilo com a desculpa "de que é pela piada". Os utilizadores da Internet têm vindo a perceber que estes truques são bastante reais, apesar das intenções dos seus divulgadores. E, em particular, na Internet da Direita Alternativa nunca se tem a certeza se a intenção é o efeito lulz ou uma acção extremista disfarçada. 

O gabinete da Pensilvânia do Procurador-Geral confirmou ao The Washington Post que iniciou recentemente uma análise do meme "votação online" tendo em conta que, a certa altura, foi partilhado por um vereador da cidade. "Todos perceberam que se tratava de uma piada", reforçou o vereador Josh Lorenz, o que não convenceu Jeff Coon, responsável pelo alerta em relação ao meme "votação online" e apoiante de Hillary Clinton. "Nem sequer acredito que quem tenha criado este meme ou quem o tenha publicado como trolling o tenha feito pela piada", afirma pelo Messenger. E mesmo que assim seja: "Deixa de ter piada se alguém for privado do seu direito de voto".

Ainda assim, o movimento não deve diminuir a intensidade. Tanto as redes sociais como os meios online incentivam o comportamento provocador. Enchem de cliques e “gostos” todos os que se façam ouvir ou que sejam suficientemente agressivos para fomentar a raiva. Quanto ao cinismo que alimenta estes fenómenos na esfera política, as sondagens de empresas como a Gallup ou de centros de investigação como o Pew sugerem um distanciamento nunca visto.

Há aqui um fundo de esperança para a investigadora Whitney Phillips. Se os lulz são a antítese do diálogo cívico, talvez o lulz na esfera política possa ser superado através do debate aberto e bem-intencionado. "Se existir uma solução, passa pelo contacto sincero e franco com as pessoas que não compreendemos", sugere Philips. "Precisamos de ter em consideração o outro, respeitá-lo e assumir a responsabilidade pelo que fazemos e dizemos na Internet."

É por estas razões que pessoas como Cernovich e Yiannopoulos, e acima de tudo, Trump, preocupam profundamente a investigadora Philips. Mais ninguém foi tão bem-sucedido em explorar cinicamente as tensões culturais ao ponto de obter resposta.

Trump enviou tweets sobre o Cinco de Mayo depois de insultar mexicanos. Liderou a caça à certidão de nascimento do Presidente Barack Obama. Acredita-se que após as eleições Trump vai lançar o canal Trump TV, fazendo com que alguns analistas especulem se a campanha teve como único propósito obter atenção nacional. Independentemente de quem ganhe as eleições, ele já ganhou os lulz.

Exclusivo PÚBLICO/"The Washington Post"

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