Um retrocesso
The Crown é um sucesso retro mas é também, como obra criativa, um retrocesso.
Já vimos dois episódios de The Young Pope e seis de The Crown, com a Young Queen. O Vaticano e Buckingham Palace. O papa e a rainha. A igreja católica e a monarquia. Teremos voltado aos anos 50? Não, porque os anos 50 ainda eram a preto e branco.
A Vanity Fair disse que The Crown é muito melhor do que Downton Abbey. Pois é. Não perde tempo com a criadagem. É só rainhas, princesas e príncipes.
The Crown está muito bem feito e dá a impressão, crucial, de estarmos a ver acontecimentos históricos – mas por dentro.
Peter Morgan é perito a fazer estes filmes que se baseiam em factos e que parecem documentários luxuosos só ligeiramente fictícios. Usam a fantasia do cinema e a persuasão da realidade ao mesmo tempo.
Foi assim com a Rainha Isabel II (The Queen) Tony Blair (The Deal), David Frost e Richard Nixon (Fox/Nixon), Brian Clough (The Damned United) e, no filme mais honesto porque mais claramente fictício, Idi Amin (The Last King of Scotland). Morgan limita-se a imaginar como é que deve ter sido para as pessoas que viveram acontecimentos históricos documentados.
É um ardiloso reconstituinte mais do que um inventor. Nesse sentido é absurdo ler que The Crown foi “created by Peter Morgan”. Seria mais certo dizer “recreated”.
Como recriação e recreação The Crown é formidável. É uma revista cor-de-rosa em movimento que nunca tenta esconder a sua natureza propagandista, reverente e, muitas vezes, bajuladora. É um sucesso retro mas é também, como obra criativa, um retrocesso.