Só o Parlamento pode reverter uma lei que ele próprio aprovou

A decisão do tribunal confirma que só o Parlamento pode reverter o que o Parlamento aprovou, explica Fausto Quadros, especialista em Direito Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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Reuters/TOBY MELVILLE

Fausto Quadros, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e especialista de Direito da União Europeia, explica os fundamentos jurídicos da decisão e argumenta que esta serve os políticos.

Como vê esta decisão do Tribunal Superior?
O tribunal limitou-se a aplicar o Direito Constitucional britânico. O que introduziu o Reino Unido nas comunidades europeias foi uma lei, o European Communities Act de 1972. O referendo não é vinculativo, não obriga ninguém. Ora, como o referendo não vincula, não afecta, nem destrói o Act de 72. Este só pode ser revogado por nova lei do Parlamento. Isto sabe-se desde a noite do referendo, os juristas disseram isso logo a partir do dia seguinte. Até que um tribunal vem agora dizer aquilo que toda a gente já esperava: o referendo não obriga, o Parlamento tem de intervir, e o Reino Unido só pode sair através da [aprovação] de uma nova lei.

Não tem então dúvidas de que esta decisão será confirmada pelo Supremo?
Não tenho dúvidas nenhumas, é a única decisão possível. Tenho até dúvidas de que o Governo vá recorrer da decisão. A primeira-ministra Theresa May já deu a entender que, tendo feito campanha pelo "Brexit", não quer o "Brexit", porque já viu as consequências, percebeu que de facto os britânicos não querem sair, porque estão arrependidos do referendo, e das consequências do referendo – que é os britânicos que estão fora do Reino Unido terem de voltar todos para o Reino Unido porque passam a ser cidadãos terceiros e deixam de ser cidadãos europeus, de ter direito a residir, residirão se os outros estados deixarem.

Em todo o caso haverá uma votação no Parlamento…
…Que dificilmente não será contra o "Brexit". Com os votos do Partido Trabalhista que é quase unanimemente a favor da União Europeia, com os votos da ala, maior ou menor, do Partido Conservador que é contra o "Brexit", e com o Partido Liberal que é a favor manutenção na UE, deverá aprovar a manutenção. A não ser que haja um terramoto, não me custa a admitir que a maioria do Parlamento vá confirmar o Act de 72 e dizer que o referendo não obriga a revertê-lo.

E os deputados estarão prontos a pagar o preço político?
E qual é a alternativa? Vamos supor que passa o "Brexit". Há negociações para um novo acordo. Esse acordo que venha a ser celebrado entre o Reino Unido e os outros Estados tem de ser aprovado pelo Parlamento britânico e pelos parlamentos dos outros Estados-membros. Qual é a alternativa? É o "Brexit" triunfar agora e depois não haver nada. Porque o Parlamento britânico, ou um dos parlamentos nacionais recusa o acordo sobre o novo estatuto do Reino Unido na União Europeia. O Reino Unido fica na pior das posições: não estar na União Europeia e não ter nenhum estatuto a ligá-lo aos Estados da UE.

E votando pela manutenção resolve também o problema da Escócia, que não vai levantar o problema de querer sair e continua no Reino Unido.

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