As 13 mulheres de Her

Viagem faixa a faixa pelas treze protagonistas das canções do novo álbum de Rita Redshoes, desiludidas ou lutadoras, presas ou traumatizadas.

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AUGUSTO BRÁZIO

Bird hunter

Nascida de um discurso que Rita Redshoes foi ouvindo à avó de apelo à sua independência financeira, para não ter de ficar à mercê de uma relação que se assemelhasse a uma prisão. “Muitas das mulheres que falavam assim estavam, na verdade, presas emocionalmente ao outro”, diz. Por isso, as pistas que segue são sobretudo as de um cativeiro afectivo.

Take me to the moon

Canção sem pecado, uma visão virginal da vida e das relações amorosas. Uma mulher habitada ainda pelos resquícios de uma adolescência sonhadora, em contacto até com a infância, de uma faceta que a cantora diz esperar nunca vir a perder. “Embora às vezes esse lado sonhador me traga grandes desgostos.”

Life is huge

Canção que exorta contra o acomodamento e que é assumida pela voz de uma mulher assustada com a perspectiva de poder estar a desperdiçar o seu tempo de vida. Tema bastante pessoal, sintonizado com uma urgência de viver boicotada, por vezes, por mudanças inesperadas de percurso “em que a vida não nos pergunta a opinião e se é para ali que queremos ir”. A resposta é simplesmente a de pensar menos e viver mais.

Bag of love

Dias depois de assistir na televisão às recorrentes imagens de refugiados a navegarem em barcos caducos à procura de uma nova vida, Rita Redshoes sentiu-se arrasada pela incapacidade, pela revolta e pelo conforto em que tudo lhe era dado a ver. Bag of love é um vómito dessas imagens, imaginando-se no lugar de uma mulher a ter de arriscar a vida dos filhos para fugir a um cenário de tragédia anunciada.

Mulher

A canção-bandeira de Her deita para fora o sofrimento por que Rita diz ter passado devido ao tratamento desigual de que as mulheres são ainda vítimas no mundo laboral. “Há mulheres que sofrem outras coisas na pele muito mais violentas e não posso falar disto de forma leviana”, afirma, chamando a atenção para o sentido mais lato da letra. É também um tema de exaltação e desafio, de recusa em aceitar que a resposta é o recato.

Desire but no fire

História de uma mulher entregue a uma relação condenada ao falhanço sem razão aparente, “quando se acha que está tudo certo, tudo aponta nesse sentido e, de repente, sem se saber porquê há qualquer coisa que não explode, não dá fogo”. Aqui sim, resignação – por mais que se queira, não há como contrariar um qualquer plano maior de autor desconhecido.

Any other choice

Numa pele que não reconhece mesmo como sua, Rita coloca-se aqui no papel de umas quantas mulheres que conhece “que estão dentro de uma situação mas estão sempre a queixar-se”. Uma amotinação que se serve a si mesma, sem objectivo real de mudança – que a mudança habitualmente dá muito trabalho. “Deve ser muito desgastante, mas acho alguma piada a pessoas assim”, admite.

In a while

Canção de aceitação das limitações. A voz de alguém que reflecte sobre o percurso, possivelmente no final da vida, aprendendo a aproximar-se cada vez mais da sua imagem autêntica, sem medo de se ver ao espelho, e sem obcecar com o que podia ter sido. Mais de apaziguamento do que de desistência.

Hell I’m in love with you

Protagonista de um amor doente, consciente de que se trata de uma doença e, ainda assim, tomando a opção de se atirar de cabeça. “Queria uma música com essa energia, com uma certa sofreguidão de viver o amor mesmo sabendo que aquilo vai ser um desastre”, descreve. “Às vezes é assim – tem mesmo de se ir.”

Fé na vida

Mais uma vez, a luta pelo espaço da mulher e a certeza de que há um direito de ocupar esse espaço sem ter de o ceder a outro. A fé (traída) é a de a vida se encarregar de resolver os problemas, ausentando de culpa e responsabilidade quem tem de assumir as decisões e arcar com as consequências.

Vestido

Canção perturbadora pela possibilidade que paira na letra de descrever uma violação, co-assinada por Pedro da Silva Martins (Deolinda). “A visão do Pedro é mais dura, de uma violação, mas eu levei para uma violação num sentido mais psicológico”, ressalva. “Quisemos vestir o mesmo vestido mas claramente não tem as mesmas cores. Talvez o Pedro esteja de luto e eu não.”

Wake up, goodbye

A única canção invadida por Berlim, tema de uma mulher a despedir-se da vida num cenário de guerra. “Uma coisa meio romântica”, diz, no momento em que alguém percebe num momento coincidente de acordar e fechar os olhos em definitivo de que o seu tempo no planeta está a chegar ao fim.

Sea horse

Rita descobriu num artigo da National Geographic numa aula de inglês que os cavalos-marinhos machos engravidam. Ao mesmo tempo que se questiona sobre a maternidade, imagina também um homem a cuidar da cria para que pudesse ser ela a “ir à caça” e atrás do sustento da família (numa alusão à vida de estrada).

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