Bloco exclui crianças e doentes mentais de proposta para legalizar eutanásia

O projecto de lei irá prever que o suicídio assistido e a eutanásia efectuados por médico ou sob a sua supervisão sejam considerados “actos médicos”.

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O deputado bloquista José Manuel Pureza referiu no relatório que elaborou que “o fim da vida é quase uma zona livre de direito” NUNO FERREIRA SANTOs

O Bloco de Esquerda vai avançar com um projecto de lei para legalizar “a morte assistida” (o que incluirá o suicídio assistido e a eutanásia). É já certo que de fora vão ficar as crianças e as pessoas com problemas de saúde mental, explica ao PÚBLICO o deputado bloquista José Manuel Pureza. O partido Pessoas–Animais–Natureza (PAN) vai avançar com uma proposta no mesmo sentido.

A iniciativa legislativa bloquista está ainda a ser elaborada, mas surge na sequência da petição pela despenalização da morte assistida, que foi assinada por mais de oito mil pessoas, entre elas o próprio José Manuel Pureza, a deputada Mariana Mortágua, mas também a ex-ministra da Justiça social-democrata Paula Teixeira da Cruz, José Pacheco Pereira, a deputada socialista Isabel Moreira, entre várias personalidades, como o cientista Sobrinho Simões ou o escritor Miguel Esteves Cardoso.

O projecto do BE deverá ser apresentado no primeiro trimestre do próximo ano, altura em que se prevê que a petição seja debatida em plenário, referiu Pureza. A proposta ainda está a ser trabalhada, mas será certo que terá de haver definição de critérios para as situações em que a morte assistida deixaria de ser penalizada, nas suas duas modalidades – ser o próprio doente a auto-administrar o fármaco letal (suicídio medicamente assistido) ou este ser administrado por outrem (eutanásia).

“É preciso aferir da liberdade da decisão”

O projecto de lei definirá, à semelhança do que defende a petição, que apenas será destinado a abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura. Assim, um dos critérios da legislação terá de passar pela definição do que é “a terminalidade” e do que é “sofrimento insuportável”, explica o deputado. Assim como terá de ficar patente “a necessidade de haver uma manifestação reiterada e actual" por parte do doente. “É preciso aferir da liberdade da decisão”, acrescenta. De fora ficam definitivamente as crianças, diz o deputado, assim como situações de doença mental.

Este projecto irá prever que, sendo o suicídio assistido e a eutanásia sempre efectuados por médico ou sob a sua orientação e supervisão, estes sejam considerados “actos médicos”.

Entre as várias personalidades ouvidas pelos deputados a propósito da petição, o argumento dos “riscos” de uma legislação deste tipo “abrir uma caixa de Pandora” foram recorrentes, lembra o deputado bloquista, a quem coube elaborar o relatório final que faz um resumo das audições.

Os contributos dessas personalidades reforçaram o argumento de que algumas experiências correram mal em países que aplicam a legislação. O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, foi um deles, segundo o bloquista. Mencionou o aumento de mortes assistidas, a prescrição de substâncias letais a doentes com depressão, o risco de bullying sobre pessoas vulneráveis (pela idade ou estrato económico), a prática em crianças (em 2014 a Bélgica estendeu o direito à eutanásia a menores) ou em situações de justificação emocional momentânea, lembra José Manuel Pureza.

O deputado bloquista afirma que “toda a gente sabe que esta legislação se situa num campo de risco”. Mas, defende, “o risco combate-se regulando com rigor, estabelecendo critérios claros, firmes.”

Apesar de também ser um dos subscritores, José Manuel Pureza foi nomeado - no âmbito do grupo de trabalho da Comissão de Assuntos Constitucionais - o autor do relatório final desta petição pelos deputados dos outros partidos. Sempre que uma petição popular com mais de cinco mil assinaturas é admitida no Parlamento é nomeado um deputado para elaborar um relatório sobre a sua admissibilidade ou não para votação em plenário.

Depois de ouvidas nove personalidades, entre médicos, juristas, especialistas em ética, o documento consensualizado está quase fechado e espelha “um mapa das controvérsias”, diz.

Por um lado, há os que olham para “o direito à vida como um super-direito”, que subalterniza todos os outros, como “a autodeterminação da vontade da pessoa doente e o direito da dignidade da pessoa humana”, nota. O juiz José Souto de Moura, por exemplo, notou no Parlamento que “a Constituição protege a vida em si e não uma vida com um certo grau de qualidade” e que é perigoso fazer depender “a vida da qualidade dessa vida”, notando que “o Estado tem a obrigação de proteger os cidadãos de si próprios em certas situações”.

Nas audições do grupo de trabalho muitas vezes se assinalou que “o fim da vida é quase uma ‘zona livre de direito’”, recorda o parlamentar. No relatório lembrou também a carta do tetraplégico Ramón Sampedro, em defesa do seu direito a morrer: “Importa obviamente que haja um sentido para a morte e um sentido da vida, mas também que se considerem os princípios do prazer e da dor e pelo menos que não haja um sofrer irracional.”

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