O centro político e alguns desafios da República

A Constituição de 1976 apenas mantém cerca de um décimo dos preceitos normativos que compunham a sua versão original.

Os tolos dizem que aprendem com os seus próprios erros; eu prefiro aprender com os erros dos outros.”

Otto Von Bismarck


1. Cumprem-se, em 2016, quarenta anos sobre a entrada em vigor da atual Constituição da República Portuguesa.

Certo é que esta data não tem sido verdadeiramente assinalada nem tem servido de motivo para a realização de uma séria e participada reflexão acerca do significado e importância da lei fundamental vigente, mas também sobre as fragilidades e vicissitudes da atual experiência constitucional democrática portuguesa. Para além, é certo, da espuma dos diferentes debates gastos por parte de alguma esquerda folclórica e saudosista da vertigem estatizante a que o País foi sujeito no tristemente célebre PREC – Processo Revolucionário em Curso – durante o longínquo Verão Quente de 1975.

Não deixa, aliás, de merecer relevo o facto de a celebração dos quarenta anos da Constituição terem ocorrido no quadro da vigência de uma solução governativa legítima, mais devido a um parlamentarismo unilateral de conveniência do que pela legitimidade eleitoral derivada da escolha política e programática dos cidadãos portugueses.

2. Igualmente relevante foi a circunstância da eleição de um novo Presidente da República, não oriundo do espaço político da atual maioria governativa e parlamentar, atenta a invulgar capacidade que o Chefe do Estado tem demonstrado em recentrar o nosso sistema político-constitucional imprimindo-lhe, aliás, o devido cunho semi-presidencial.

Acresce que o seu tão celebrado e decantado poder dos afectos tem permitido a Marcelo Rebelo de Sousa alcançar um espaço político suficiente que lhe permita, não só não se comprometer com o governo de António Costa, como alcandorar-se a árbitro supremo e decisivo se e quando a atual maioria parlamentar soçobrar. O que poderá suceder em 2018 ou talvez ainda antes, dependendo de saber se vingará César ou Brutus...

Neste contexto torna-se particularmente exigível ter em atenção alguns factores, internos e externos, que podem vir a assumir-se como condicionantes, imediatas e mediatas, da própria ação política nacional.
Desde logo devemos ter cada vez mais presente que a árvore das patacas (a visão que, não raro, muitos atores políticos e agentes económicos e mesmo sectores sociais tinham da Comunidade Económica Europeia e, mais tarde, da União Europeia), é cada vez mais exigente, até por força de circunstâncias endógenas dos principais países contribuidores, cujos eleitores estão cada vez menos receptivos à manutenção da chamada solidariedade europeia.

Basta lembrar, por exemplo, que, em 2014, do lado dos países contribuidores, a Alemanha concorreu com 28,8 mil milhões de euros para o orçamento da UE, tendo recebido 11,5 mil milhões de euros de fundos comunitários. Já a França contribuiu com 19,6 mil milhões de euros e recebeu 13,5 mil milhões. Já do lado dos países receptores líquidos, Portugal contribuiu com 1,6 mil milhões de euros e recebeu 4,9 mil milhões de euros, enquanto que a Grécia contribuiu com 1,8 mil milhões de euros, tendo beneficiado de 7,1 mil milhões de euros. Estes montantes, enunciados a título meramente exemplificativo, permitem, em todo o caso, compreender as crescentes incompreensões que vão emergindo entre os tão diversos povos europeus, para mais quando se não vislumbra uma efetiva tendência de convergência entre os parceiros mais pobres e os mais ricos da União. Por isso talvez existam em muitos países – felizmente não no nosso – cada vez mais eleitores a votar em novos partidos, sobretudo pertencentes aos extremos políticos, quer à esquerda quer à direita.

3. Em terceiro lugar, e numa perspectiva de um mais largo alcance geopolítico, cabe saber se é razoável que o Ocidente pretenda, num proselitismo marcadamente pueril, a quase universalização das “democracias funcionais instantâneas”, na feliz expressão de Ismail Serageldin, Diretor da Biblioteca Alexandrina, sendo certo que não é essa, ainda nas palavras do referido embaixador da Aliança das Civilizações, “a experiência em todo o mundo”.

4. Em quarto lugar, e de regresso ao caso português, cumpre ponderar se o nosso sistema democrático deve ou não ter em conta uma legitimação que incorpore, no próprio processo político, o respeito pela história, pelo costume e pelas tradições não escritas da própria experiência constitucional democrática.

5. Em quinto lugar, o facto de a nossa Constituição ser das que proclama mais direitos, tantas vezes não cuidando de garantir e assegurar a plena efetivação dos mesmos, nem se assumindo capaz de salvaguardar o seu núcleo essencial, designadamente em situações de crise ou emergência. Daqui decorre, aliás, mesmo sendo tal politicamente incorreto afirmar, a necessidade de se refletir acerca da insusceptibilidade de termos de abdicar de alguns dos nossos direitos adquiridos, evidentemente no caso de não se tratar de direitos fundamentais indisponíveis.

A este respeito é curioso lembrar que a Constituição de 1976 apenas mantém cerca de um décimo dos preceitos normativos que compunham a sua versão original.

6. Em sexto lugar, importa ponderar se não devemos começar a interiorizar que vivemos já numa nova etapa de maturidade democrática, em que o bem comum deve prevalecer sobre visões de facção ou de curto prazo, umas e outras, em todo o caso, susceptíveis de comprometer um futuro nacional que, afinal, todos deveríamos ambicionar.

7. Finalmente, em sétimo e último lugar, importa saber se faz algum sentido, decorridas quatro décadas desde 1976, deixarmo-nos regressar a um certo radicalismo ideológico de pendor estatizante, submetidos a uma clique lunática que desconfia do sector social e rejeita a iniciativa privada e a economia de mercado como principais impulsionadores do desenvolvimento económico e social do País e fautoras da melhoria das condições de bem estar social dos portugueses.

A resposta a estas questões revela-se verdadeiramente decisiva para sabermos, como comunidade nacional, se queremos construir e solidificar uma unidade política necessária no quadro exigente e complexo das sociedades modernas em que a nossa se insere.

Por mim, continuo a acreditar que é ao centro político que se constrói um país mais moderno, menos desigual e mais livre. A circunstância do presente pode parecer desmenti-lo, mas a verdade é que, figurativamente falando, os Idos de Março chegaram mas ainda não passaram…

 

Deputado e presidente da Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social

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