Quanto vale uma experiência?

A expressão de conquista de uma intensa experiência foi visível nos diversos olhares da plateia seduzida pela delicadeza da música e da projecção, num concerto integralmente preenchido por música de Ludger Brümmer.

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Remix Ensemble Casa da Música / Alexandre Delmar
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Se ainda há pouco tempo se viveu na Sala Suggia um momento que prometia ser o “espectáculo do ano”, o concerto apresentado este domingo na Sala 2 da Casa da Música (CdM) constituiu um poderoso rival.

Foi uma iniciativa do festival itinerante Dias de Música Electroacústica (com direcção artística de Jaime Reis), em parceria com o Zentrum für Kunst und Medien (ZKM, Karlsruhe) e a CdM, que fez com que a Sala 2 se transformasse numa cúpula sonora para um concerto integralmente preenchido por música de Ludger Brümmer (desde 2003, director do Institut für Musik und Akustikque daquela instituição alemã). As expectativas eram muito elevadas e a numerosa plateia, muito focada na audição, bem comprovou a eloquência do trabalho de Brümmer e as virtudes da sua projecção sonora.

Os 23 altifalantes aqui dispostos de forma hemisférica foram uma representação do Klangdom (literalmente, cúpula de som, com 43 altifalantes suspensos e 4 pousados no chão), concluído em 2006 no ZKM, após três anos de concepção e “afinação” e, por sua vez, inspirado no auditório esférico que Stockhausen sonhou para a Exposição Universal de Osaka, em 1970 (este realizado pela Estúdio da Universidade Técnica de Berlim).

Numa cultura em que a difusão do grande repertório electroacústico tem sido fortemente menosprezada, um programa de obras concebidas para este poderoso instrumento de projecção surge como um oásis para quem vive o culto do som. Exceptuando uma miniatura de 5 minutos – Deconstructing Double District (2011), com vídeo de Volkmar Kuchelmeister– a duração das restantes obras apresentadas variou entre 17 e 28 minutos, caracterizando-se todas por um fino trabalho de “espaço” associado a um especial cuidado formal e de minúcias tímbricas.

Igualmente com componente vídeo (assinada por Bernd Lintermann), Spin (2014) abriu o concerto, percebendo-se entre “imagem” e “som” uma raiz comum (estruturada) que manifestou maior sensualidade a nível musical. Tal como no final, com Nyx, a projecção de Spheres of Resonance (2015) foi unicamente acompanhada de um jogo de luzes ad libitum, sem qualquer relação aparente com a música.

O trabalho tímbrico aqui realizado, baseado na modelação física, traduz-se num interessante jogo de máscaras em que o inicial espectro (de sons puros?) dá lugar a um som metálico, que será progressivamente “espectralizado” (sempre em imprevisível mas delicado movimento).

No início da segunda parte, Ana Telles subiu ao palco para dar corpo à estreia absoluta da versão com vídeo polifónico de Move (2006), para piano, cúpula de som e vídeo, em que a interacção imagem–som é quase óbvia em alguns momentos. A obra mais antiga (e longa) em programa data de 2001, sendo das primeiras da História da Música cuja estrutura assenta em material composicional gerado por modelação física: Nyx, para cúpula sonora foi, curiosamente, aquela em que o som pareceu chegar fisicamente mais próximo do ouvinte e não terá sido à toa que Ludger Brümmer (Werner, 1958) a escolheu para encerrar o concerto. A expressão de conquista de uma intensa experiência foi visível nos diversos olhares daquela plateia heterogénea, gentilmente seduzida pela delicadeza da música e da projecção.

Num registo menos impactante localiza-se a proposta do Remix Ensemble (RE) para terça-feira, integrada simultaneamente nas rúbricas Portrait Holliger e Portrait Aperghis: um conjunto não muito feliz de pequenas peças, na sua generalidade também sombrias, que não beneficiou particularmente a fruição de nenhuma delas.

Em Désir t’a appris l’inanité du désir (2016), o jovem compositor em residência António Sá Dantas (Lisboa, 1989) deu passos seguros, intencionalmente enredados num conjunto de “regras” apoiadas numa certa energia, que apenas na revisitação de Schumann levada a cabo por Manuel Hidalgo voltaria a encontrar-se. Anssi Karttunen regressou à CdM para encerrar o Portrait Aperghis, reinterpretando Bloody Luna (2004).

...Mas o que mais se ouviu foi Heinz Holliger (1939): quatro peças pouco recentes de 7 a 8 minutos, uma delas de 1991 e as restantes de 1983-84 - Ostinato Funebre, Engfürhung, Ad marginem e Der ferne Klang. Ostinato Funebre carrega alguns tiques de um certo experimentalismo, patentes inclusivamente na escolha dos recursos sonoros (que incluem folhas secas, água, papel...), e que nos sugere o universo de Jorge Peixinho.

Para quem não se sentir irremediavalmente enfadado com o universo do compositor suíço, o Portrait Holliger prossegue este sábado, às 15h00, com os músicos do RE espalhados pela Casa a tocar peças suas para instrumento solo, concluindo-se, às 18h00, com Thomas Zehetmair e a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música interpretando o seu Concerto para violino.

 

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