Doença hemorrágica viral volta a ameaçar lince-ibérico e águia-imperial

Há uma variante do vírus que afecta o coelho-bravo, a principal fonte de alimento de duas espécies protegidas em Espanha e Portugal.

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Lince-ibérico DR

Um estudo desenvolvido por investigadores do Porto e de Espanha indica que uma nova variante do vírus da doença hemorrágica viral (DHV) do coelho pode ameaçar a conservação das populações de lince-ibérico e águia-imperial na Península Ibérica. O estudo foi publicado online esta segunda-feira, na última edição da revista científica Scientific Reports, do grupo da Nature.

Coordenado pelo Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (Cibio), o projecto envolveu cientistas das áreas da ecologia, da biologia da conservação e da virologia, além de técnicos de organismos governamentais e de organizações não-governamentais de Portugal e Espanha. A equipa avaliou os efeitos reais da nova variante da DHV do coelho-bravo na conservação dos ecossistemas ibéricos, identificando um decréscimo anual de cerca de 20% nas suas populações naturais.

Esta nova variante do vírus que foi detectada em França, em 2010, e chegou a Espanha em 2011 e a Portugal em 2012 é fulminante, explica Pedro Monterroso, investigador do Cibio. "Enquanto o vírus anterior só afectava a população adulta, nesta variante os coelhos jovens inclusivamente acabados de nascer  são também uma classe muito susceptível da doença", disse o investigador à agência Lusa, acrescentando que, devido a isso, "não há recrutamento de novos indivíduos para a população, que diminui cada vez mais". A maior parte dos coelhos encontrados mortos no campo e analisados eram positivos para a nova variante. "Mais de 50% eram animais com menos de seis meses", acrescentaram, em comunicado do Cibio, Pedro Esteves e Joana Abrantes, investigadores daquele centro e co-autores do estudo.

A escassez de alimentos originada pelo vírus levou a uma diminuição do número de indivíduos reprodutores de lince-ibérico, na serra de Andújar (Espanha), e de águia-imperial-ibérica, na região do vale do Guadiana (Portugal). Segundo Pedro Monterroso, na ausência de alimento, estas espécies vão reduzir os gastos de energia com funções não vitais, nomeadamente com a reprodução.

O lince-ibérico e a águia-imperial-ibérica são dois predadores de topo, exclusivos da Península Ibérica, e a sua diminuição pode conduzir "a um aumento de predadores generalistas, como a raposa e o saca-rabos, capazes de causar um efeito ainda maior na supressão do coelho-bravo, perpetuando os efeitos da DHV". "Pela posição que ocupam, estas espécies são peças fundamentais na manutenção da estabilidade dos ecossistemas e na regulação de outras populações", explicou Pedro Monterroso.

Em 2012, a população de águia-imperial-ibérica tinha 358 casais reprodutores em Espanha e 11-18 casais reprodutores em Portugal. Por seu turno, a população de lince-ibérico no ano de 2002 contabilizava apenas 30 fêmeas reprodutoras, altura em que foi classificado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) como o felino mais ameaçado do planeta, lê-se no comunicado do Cibio. 

O professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e coordenador do grupo de investigação do Cibio envolvido neste trabalho, Paulo Célio Alves considera que a conservação eficiente dos ecossistemas só é conseguida com fortes colaborações pessoais e institucionais, tanto a nível nacional como a nível internacional. "Este tipo de resultados apenas é possível através da articulação de esforços entre instituições, com a criação de grupos multidisciplinares que trabalham em conjunto para a conservação das espécies e dos ecossistemas."

 

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