Nota ao sr. Presidente: princípios são princípios

Haverá fé, sim, que a pena de morte acabe na Guiné-Equatorial. Nem que seja preciso ajudar a que se confirme aquela (outra) estranha notícia que lemos ontem: que o sr. Obiang vá a Fátima.

Foi realmente boa aquela hora de alívio, que sentimos depois de ouvir o ministro dos Negócios Estrangeiros. Augusto Santos Silva decidiu ser claro como água ao falar da Guiné-Equatorial, em plena cimeira da CPLP: "Imediatamente", foi a palavra que utilizou ao referir-se à indigna pena de morte que ainda existe na moldura penal daquele país que há dois anos integra a comunidade lusófona. Mas uma hora foi o tempo de uma ilusão. Porque aí chegou o Presidente Marcelo, acrescentando o seguinte (é melhor transcrever na íntegra, para que fique registado em memória futura):

“A moratória que foi adoptada significa que desde o momento da adopção deixou de ser possível a aplicação da pena de morte. Ou seja, não é possível juridicamente a aplicação da pena de morte no direito guineense equatorial. Do que se trata é de converter a moratória em abolição, mas de facto o objectivo da exigência de há dois anos, que era que não seja possível aplicar a pena de morte, está atingido. Importa atingi-lo, se quiserem, irreversivelmente, mas está atingido”.

Registou? Infelizmente, não foi tudo. António Costa não precisou de vestir a mesma indumentária de Marcelo, como aconteceu na Ibero-Americana, quis usar o mesmo discurso: “Quando se elimina uma pena, não basta simplesmente dizer ‘esta pena desaparece’. É preciso encontrar uma nova pena e que ela seja harmonizável com a diferente escala de valores subjacente à criminalização de certos comportamentos". A explicação será muito útil, mas já lá vão dois anos. E faltou sempre aquela palavra que, meia hora antes, usou Santos Silva: "Imediatamente".

Por muita pressão diplomática que outros países ditos irmão ponham na permanência da Guiné-Equatorial na CPLP, não há, não pode haver, qualquer complacência com uma questão de princípio. Porque não há tal coisa a que possamos chamar princípios transitórios, porque enquanto for transitório nunca é uma garantia. É, aliás, muito conveniente que tivéssemos de esperar dois anos para que fosse pedida "ajuda jurídica" a Portugal, de modo a substituir tal pena por outras que sejam dignas desta civilização.

Nesta cimeira, valeu-nos Santos Silva, por nos dar uma hora de orgulho. O que temos, agora, é de exigir a Marcelo e a Costa que não deixem o sr. Obiang esperar pela próxima cimeira para pedir ajuda na tradução, que complemente a ajuda jurídica. Haverá fé, sim. Nem que seja preciso ajudar a que se confirme aquela (outra) estranha notícia que lemos ontem: que o sr. Obiang vá a Fátima.

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