A emigração não foi uma saída limpa

A emigração acabou por não ser uma “saída limpa”, camuflando uma espécie de ordem de “expulsão”, mas um estratagema para diminuir o desemprego e respectivos subsídios, diminuir tensões sociais anti-troika e, já agora, aumentar remessas

A troika teve efeitos secundários irreversíveis e este foi um deles: apesar da diminuição da emigração e do aumento da imigração e da natalidade, o saldo migratório continua negativo pelo quinto ano consecutivo. Fosse qual fosse a zona de conforto em que se encontrasse ou o grau de formação, emigração e desemprego passaram a fazer parte do léxico de quem não tinha razões para confiar no futuro. E, convenhamos, a apologia da emigração não teve qualquer efeito na criação de novos empregos ou no aumento remuneratório de quem permaneceu. Mesmo assim, já estivemos mais perto de ser a Singapura da Europa.

A emigração acabou por não ser uma “saída limpa”, camuflando uma espécie de ordem de “expulsão”, mas um estratagema para diminuir o desemprego e respectivos subsídios, diminuir tensões sociais anti-troika e, já agora, aumentar remessas.

O que os dados ontem divulgados pelo INE nos vêm revelar é que o número de entradas no país não supera o número de saídas e que metade dos imigrantes são, afinal, de nacionalidade portuguesa. Ou seja, os “imigrantes” de hoje nas estatísticas do INE são, sobretudo, portugueses em idade activa que residiam em outros países da União Europeia, mas não só. Para o investigador Jorge Malheiros (ver destaque), já não saímos tanto porque há um “certo capital de esperança” no país e estamos a regressar por causa das actuais contingências de alguns dos destinos da nossa emigração.

O mais natural é que a maior percentagem desse grupo seja composta por trabalhadores desqualificados, uma vez que são eles, também, quem mais emigra. E esse é outro efeito secundário que pagaremos até à náusea: a mão-de-obra mais qualificada não se deixará tentar por um qualquer programa de apoio ao regresso dos emigrantes, como foi o caso do malfadado Vem. Essa geração desistiu do país mal a troika entrou em acção. A excepção parece ser Tiago Brandão Rodrigues, que trocou um laboratório em Cambridge por um lugar no Governo. Mas o ministro da Educação será caso único.

A maioria dos inquiridos em estudos como o da Fuga de Cérebros, coordenado por Rui Machado Gomes, imagina-se a viver fora de Portugal durante “toda a vida”. E é o mesmo estudo que refere que a transferência de recursos de Portugal para o centro da Europa tem um preço demasiado elevado para o desenvolvimento do país: 10.312.500.000 de euros. Mais de dez mil milhões de euros. E este saldo continuará negativo por muitos mais anos.

acorreia@publico.pt

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