Djavan: em nome da mãe e do futuro do Brasil

Em Vidas Pra Contar, o cantor e compositor alagoano combina memórias e um olhar sobre o Brasil de hoje e do futuro. Ao vivo, o novo disco chega agora a Lisboa, Porto e Estoril.

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Djavan: "O Brasil está realmente mudando e a tendência é melhorar" Murillo Meireles

Depois de Rua dos Amores, de 2013, Djavan revolveu as memórias de infância e fez delas um disco. Chamou-lhe Vidas Pra Contar (a edição brasileira é de 2015) e o título é em parte literal e em parte metafórico. Porque há nele nomes, personagens, mas também sentimentos inspirados em tempos diferentes da sua existência. “Resolvi contar um pouco da história, que sempre contei em entrevistas mas não tinha contado em música, da minha mãe, da relação musical com ela, do facto de ela se ter deslumbrado muito cedo com a minha vocação para a música. Trouxe também o nordeste para o meu quotidiano, eu queria falar da minha origem, da fraternidade do povo, da religiosidade dos folguedos, dos folclores, da beleza das pessoas. E aí fiz Vida nordestina. Falei também do homem nos âmbitos político e social, hoje, no Brasil, fazendo a analogia com um amor que não deu certo. E falo de relacionamentos, do amor em várias formas, indo, vindo, não acontecendo, a incompatibilidade, etc. Por isso o disco se chama Vidas Pra Contar.”

Djavan diz que teve necessidade da falar da sua mãe. Escreveu Dona do horizonte e esse foi o ponto de partida para o disco. “Comecei a pensar muito nela, na dificuldade que ela teve em criar cinco filhos, sem marido, ganhando muito pouco, e ainda assim proporcionando para esses filhos uma educação e uma vida boa, feliz. Não deixou que a pobreza fosse uma influência negativa na nossa vida. A minha mãe tinha uma força muito grande. E era uma pessoa que, embora tendo apenas o curso primário, falava um português correcto e tinha uma visão do mundo bastante complexa para a condição dela e para a época. Foi a minha mãe que me ensinou os nomes das constelações, os nomes das plantas.” E foi também ela que o ligou à música “Foi exactamente na infância que a minha mãe começou a me mostrar que eu tinha vocação para a música, para o canto. E foram mulheres como Dalva de Oliveira ou Ângela Maria, que eu ouvia nessa fase e passei a ouvir o resto da vida, que me influenciaram. Essas e cantoras americanas como Dinah Washington, Sara Vaughan, Ella Fitzgerald, Billie Holiday. Então o meu canto foi formatado pelo canto feminino e não pelo canto masculino.”

Políticos predadores

Evocada a figura materna, e recordados os tempos de Alagoas (onde Djavan nasceu, em Maceió, em 27 de Janeiro de 1949), veio o resto. “Depois veio tudo, veio a vontade de falar. Porque o Brasil atravessava uma ebulição política, talvez a maior da sua história. Eu fiz uma letra tentando não ser panfletário e usando uma melodia atípica para esse tipo de letra [Enguiçado]”.

A canção foi escrita em Junho de 2015, antes do impeachment de Dilma Rousseff e de se saber qual o desfecho exacto do processo. Mas, para Djavan, a canção permanece actual. “Os políticos lidam com a coisa pública de maneira predatória, privilegiando os projectos da sua área, os seus grupos económicos, e pessoas que já estão sendo visadas pela Lava-Jato continuam cometendo os mesmos crimes. E vai ser difícil extirpar da vida brasileira esse formato de fazer política. É preciso que a gente produza um outro tipo de mentalidade política, porque na sua esmagadora maioria o congresso nacional está envolvido em corrupção e quase todos os parlamentares vão de alguma maneira ser atingidos por essa onda policial que está sendo desenvolvida no Brasil.”

Um momento brilhante

Apesar disso, ou talvez por isso, ele tem uma visão esperançosa do futuro. “Acho que o Brasil está vivendo um dos momentos mais brilhantes da sua vida pública. Porque o que se vê hoje era impensável há cinco ou dez anos atrás. Ver os maiores empreiteiros, os mais ricos, atrás das grades, era impensável. Tal como ver os políticos mais poderosos sendo atingidos e presos. O Brasil está realmente mudando e a tendência é melhorar, senão toda essa movimentação não faria sentido. As coisas estão acontecendo para mudar para melhor o nosso país, é a minha esperança.”

Vidas Pra Contar, o espectáculo, não diferirá do que Djavan estreou no Brasil. “De um modo geral”, diz, “eu faço um espectáculo para correr o mundo de um modo igual: cenários, luz, som, repertório. O espectáculo que apresento no Rio e em São Paulo é o mesmo que levo para o resto do Brasil e para todo o mundo.” Quanto aos músicos, são “rigorosamente todos” os que estão no disco. Com Djavan (voz), estarão Carlos Bala (bateria), Marcelo Mariano (baixo), João Castilho (guitarra), Jessé Sadoc (trompete), Marcelo Martins (sax tenor) e Paulo Calasans (teclas).

A primeira apresentação será no Campo Pequeno, em Lisboa, na sexta-feira 4 de Novembro; a segunda no Coliseu do Porto, dia 6; e a terceira no Casino Estoril, no dia 7. Sempre às 21h30.

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