Que histórias têm para contar os 70 cadáveres encontrados junto à Sé de Lisboa?

Os trabalhos destinados à instalação de um elevador de ligação ao Campo das Cebolas revelaram a existência de um cemitério que poderá remontar à segunda metade do século XII.

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“Em potência podemos ter um cemitério a partir da segunda metade do século XII”, admite o director científico dos trabalhos Fabio Augusto
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O espaço é exíguo, não ultrapassando os 15 m2, mas no seu interior foram já descobertos perto de 70 cadáveres, que se pensa terem sido sepultados antes do terramoto que abalou Lisboa em 1755. Qual terá sido a causa de morte destas pessoas? Padeceriam de alguma doença? Qual seria a sua idade? E a sua actividade profissional?

Descoberta feita, estas são algumas das muitas perguntas às quais se procurará agora dar resposta. “Vai ser feita uma análise osso a osso”, explica o director científico dos trabalhos arqueológicos que estão a decorrer nas Cruzes da Sé, do outro lado da rua do monumento nacional.

Esse trabalho, explicita José Sendas, será coordenado por uma antropóloga, que através das ossadas encontradas tentará perceber que idade tinham as pessoas, o que esteve na origem da sua morte, se tinham “doenças, patologias, fracturas”. E até, diz o arqueólogo, “qual era o tipo de trabalho que tinham”, algo que será possível perceber, nalguns casos, “pelo desgaste ossário e por marcas” que venham a ser detectadas.

Igual esforço será colocado na datação das dezenas de cadáveres descobertos no local. Para tal, sublinha José Sendas, as moedas que foram encontradas junto a alguns deles (e que foram já enviadas para laboratório) constituirão um contributo valioso.

Numa análise que sublinha ser “preliminar”, o arqueólogo admite que o cemitério agora revelado “possa ter sido abandonado com o terramoto” de 1755. “Em potência podemos ter um cemitério a partir da segunda metade do século XII”, admite, acrescentando que dada a localização em causa “não seria de estranhar” que abaixo da área que agora está a ser explorada haja “vários níveis” de deposição de cadáveres.

O director científico dos trabalhos arqueológicos destaca que mesmo ali ao lado fica a Sé de Lisboa, uma igreja que teve “uma importância fulcral” ao longo de toda a história da cidade. “Ainda que fosse previsível a localização de um cemitério associado à Sé, não existe qualquer estudo ou documento que comprove que existia aqui”, refere.

José Sendas observa ainda que apesar de a área escavada ter menos de 15m2 foram nela encontrados cerca de 70 cadáveres. “É um espaço mesmo exíguo. Temos uma intensa utilização enquanto cemitério”, conclui, enquanto explica que num dos limites da área está agora à vista um muro que “surge na planta da cidade de 1540”.

Além das já referidas moedas, nas Cruzes da Sé foram também encontrados objectos como alfinetes de cabelo e outros alfinetes que se supõe serem de mortalhas que envolviam os corpos sepultados. No local há ainda várias lápides. José sendas admite que algumas delas possam ali estar “desde o século XII, XIII” e tenham sido “reaproveitadas ao longo dos séculos”.

Já fora do poço que foi escavado, e no qual na manhã de sexta-feira estavam à vista vários cadáveres (incluindo o de uma criança), há vários elementos pousados no chão, enquanto decorre o processo de estudo pelos arqueólogos da empresa Arqueologia e Património.

Entre eles está “uma tampa de sepultura”, na qual é visível, como destaca o director dos trabalhos, “uma sigla do pedreiro” que a terá talhado. Ao lado está uma estela funerária “com uma cruz de Malta”, também designada por “cruz românica ou patada”.

José Sendas não tem dúvidas de que “o conhecimento científico sobre a cidade que esta obra traz é imenso”. Destacando que o trabalho em curso “exige muito método, muita paciência” e um cuidado especial por se estar “a tratar com pessoas”, o arqueólogo reconhece que ele não estará concluído tão cedo.

“Ainda nos faltam muitos séculos de história”, remata, lembrando que foi junto da Sé de Lisboa (e também do Castelo de São Jorge) que foram recuperados os mais antigos vestígios da cidade, provenientes dos séculos VI e V antes de Cristo.

A visita do PÚBLICO às escavações arqueológicas foi acompanhada pelo presidente do conselho de administração da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (Emel), Luís Natal Marques, e por um dos seus vogais, Jorge Oliveira. Nas Cruzes da Sé, a empresa pretende instalar um elevador que fará a ligação às Escadinhas das Portas do Mar, junto ao Campo das Cebolas, e que se integra no Plano Geral de Acessibilidades Suaves e Assistidas à Colina do Castelo que a Câmara de Lisboa está a desenvolver.

A empreitada que agora está em curso na rua lateral à Sé de Lisboa diz respeito à escavação do poço e tem um custo de cerca de 236 mil euros. Iniciada em meados de Julho, a perspectiva da Emel era que esta obra fosse concluída a 13 de Novembro, mas com o avançar dos trabalhos arqueológicos essa data revelou-se impraticável.

Luís Natal Marques garante que a empresa está preocupada em garantir que há “um tratamento exemplar” de todos os vestígios que vierem a ser encontrados no local. A intenção é que alguns deles possam vir a ser de alguma forma integrados no projecto, com o objectivo de dar a conhecer aos futuros utilizadores do elevador “as dinâmicas que este sítio teve no passado, a sua história”.

Este processo está também a ser acompanhado pela Direcção-Geral do Património Cultural, que recentemente transmitiu à comunicação social que “nos trabalhos de diagnóstico” em curso nas Cruzes da Sé “estão a ser identificados realidades arqueológicas relacionadas com a diacronia de ocupação da cidade antiga, em concreto, e nesta fase inicial da intervenção, os vestígios da necrópole da Sé patriarcal”.

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