O fardo da dívida pública

Num momento em que o investimento privado é uma formiga, é fundamental que o Estado encontre folga financeira para relançar o investimento público para dinamizar o investimento e o emprego

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Leonhard Foeger/Reuters

A proposta de Orçamento de Estado prevê o pagamento de 7,5 mil milhões de euros em juros de dívida pública e ainda 83 mil milhões em amortizações que originarão novas emissões (rollover da dívida). Estes dois valores correspondem juntos a 64% da despesa total consignada no Orçamento de Estado. No gráfico ao lado podemos ver a distribuição da despesa por áreas ou classificações económicas. A despesa com amortizações e juros da dívida é 10 vezes superior ao custo do serviço nacional de saúde, 172 vezes o valor de despesas de investimento e 284 vezes o valor do orçamento do Ministério da Cultura.

Que mais de metade da despesa do Orçamento de Estado seja canalizada para amortizar e pagar juros de dívida é, em qualquer circunstância, um abuso. Mas num país lá longe do pleno emprego e com níveis de investimento público no poço, este sangramento de metade do PIB do país a servir a dívida pública é inaceitável e não pode continuar. Para além da devolução de rendimentos, se este Governo pretende relançar a economia e o emprego precisa de soltar o Estado das amarras da dívida.

Em termos gerais, a história mostra como há cinco formas principais para reduzir o peso da dívida pública na manobra orçamental: i) inflação-surpresa; ii) crescimento económico; iii) ajustamento fiscal, vulgo austeridade; iv) repressão financeira acompanhada de inflação; e/ou v) reestruturação da dívida. Vejamos como elas se adequam a Portugal:

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Despesas dos Serviços Integrados por classificação orgânica, especificadas por capítulos Clica na imagem para a aumentar

1- Sem sairmos da Zona Euro, a solução i) inflação-surpresa não se aplica por razões que são óbvias.

2- Há dinâmicas de crescimento na economia portuguesa, nomeadamente o crescimento das exportações para a UE e do emprego. No entanto, o desaceleramento da economia mundial e a crise angolana não permitem perspectivar que o ii) crescimento económico seja um contributo efectivo para baixar o fardo da dívida.

3- É irrealista, à luz do crescimento anémico dos países da Zona Euro desde a crise financeira, e de Portugal desde o início do século, achar possível reduzir o peso da dívida pública através de iii) austeridade e esperar que haja i) crescimento.

4- A hipótese iv) da repressão financeira implica o controlo de capitais e a existência de investidores nacionais que o Estado possa forçar a aceitar dívida pública em condições desfavoráveis. Tudo isto é inaplicável no seio da União Europeia.

5- Reinhart, Rogoff e Savastano procuraram casos em que países tenham conseguido baixar os seus rácios de dívida em 25% num período de três anos. Encontraram 22 destes casos entre 1970 e 2000. Em apenas cinco desses episódios conseguiram os países reduzir a dívida pública através de amortizações antecipadas, mas contaram com um contributo fundamental de taxas de crescimento altas. Em todos os outros casos foram precisas restruturações de dívidas para estancar a hemorragia. Por isso, o caminho da iii) austeridade sem que se verifique um i) crescimento possante, isto é, o consenso austeritário do centro da Europa, não tem sustentação empírica.

Num momento em que o investimento privado é uma formiga, é fundamental que o Estado encontre folga financeira para relançar o investimento público para dinamizar o investimento e o emprego. Sendo mais de metade do Orçamento de Estado gasto em amortizações e juros da dívida pública, a reestruturação da dívida é, como vimos nos pontos anteriores, a única solução credível para parar essa sangria e encontrar folga financeira. Lançar o processo de negociação com os credores para a reestruturação da dívida deve ser a senda deste Governo se pretende mais do que devolver rendimentos ao trabalho e redistribuir austeridade.

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