Fazer da língua gestual portuguesa a segunda do país: uma mudança há muito esperada

Números escassos, alguns avanços e muito por fazer. Pedro Costa, presidente da Federação Portuguesa das Associações de Surdos, traça um retrato das preocupações e desafios enfrentados pela comunidade

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Reconhecimento da língua gestual portuguesa como “segunda língua do país” é urgente Julien Mourlon/Flickr

É um universo de contornos desfocados — e essa é, talvez, a primeira barreira a derrubar. Em Portugal, os dados estatísticos sobre o número de surdos são pouco rigorosos. De acordo com o Inquérito Nacional de Incapacidades, Deficiências e Desvantagens, publicado em 1996, haverá 115.066 pessoas com deficiência auditiva e 19172 surdos. Os Censos de 2001 apontam para 84172 deficientes auditivos e os mais recentes, de 2011, tornaram a névoa ainda maior: “Só distinguem a população com dificuldades na realização de algumas actividades diárias de ‘ouvir’, o que pode ser causado por motivos de saúde ou de idade”, disse ao P3 o presidente da Federação Portuguesa das Associações de Surdos (FPAS), Pedro Costa.

Quando o tema é inclusão no ensino público há ainda uma “resposta fraca” no país. “Continua a existir uma primazia pela visão clínica da educação reabilitacional, apesar de estar comprovado o insucesso da mesma com o acesso ao ensino superior e à carreira laboral”, lamenta Pedro Costa. O momento é de “impasse”, mas também de alguma expectativa. Em cima da mesa há uma proposta do Bloco de Esquerda para que todos os alunos — ouvintes e Surdos — possam aprender Língua Gestual Portuguesa (LGP) nas escolas. Recentemente, foi também criado um grupo de trabalho para discutir a revisão do decreto-lei nº 3/2008, referente aos apoios especializados a prestar no pré-escolar, ensino básico e secundário nos sectores público, particular e cooperativo. Prioridade, sublinha Pedro Costa, é o reconhecimento da LGP como “segunda língua do país”.

Há um caminho percorrido que o dirigente faz questão de não ignorar. Através de protocolos assinados com a FPAS, alguns serviços públicos portugueses já garantem a interpretação em LGP de forma gratuita. É o caso do Ministério da Justiça, do Instituto de Segurança Social, do Instituto de Emprego e Formação Profissional e de algumas autarquias, exemplifica o presidente da federação. O aumento do número de horas de interpretação em LGP nos canais televisivos leva também sinal verde. Do outro lado da barricada, além da cultura "maioritariamente inacessível" e do ensino, está a saúde. “É urgente criar soluções para garantir a acessibilidade de pessoas surdas aos serviços de saúde e emergência médica”, apela. Nestes casos, os Surdos têm de suportar a despesa do seu bolso: e um intérprete custa, no mínimo, 15 euros por hora.

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