Bicho do Mato: “Um povo que não ri de si próprio é uma desgraça”

Nasceram em Évora, chamam-se Bicho do Mato e ironizam com os males do mundo através de canções com nomes de animais. A sua Vingança já está nas lojas.

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Daniel Catarino, Daniel Meliço, Zé Peps e Tó-Zé Bexiga Rita Carmo
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Daniel Meliço, Daniel Catarino,Tó-Zé Bexiga e Zé Peps Rita Carmo
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A capa do disco, com ilustração e grafismo de Alexandre Tavares DR

Demorou, mas acabou por chegar. O primeiro disco dos Bicho do Mato, grupo formado a partir de um convite feito por Tiago Pereira para o imenso catálogo da MPAGDP (ou A Música Portuguesa A Gostar Dela Própria), já chegou às lojas. Chama-se A Vingança do Bicho do Mato (não o fazem por menos) e está agora a fazer o circuito das Fnac, com pequenas apresentações ao vivo. Agora estão a norte (sábado, 22, no NorteShopping, às 17h, e no MarShopping, às 22h, em Matosinhos; domingo, 23, no Sta. Catarina, Porto, às 17h), depois rumarão ao Algarve (dia 28, na Guia, e 29, em Faro) e a Cascais (11 de Novembro), sempre às 22h.

Este Bicho do Mato tem, como eles próprios dizem, “quatro patas”: Daniel Catarino (voz, guitarra clássica), Tó-Zé Bexiga (viola campaniça, guitarra folk, coros), Zé Peps (guitarra folk, slide, bandolim, ukelele, coros) e Daniel Meliço (bateria, percussão, coros). Nasceu porque um dia Tiago Pereira telefonou a Tó-Zé a dizer que gostava de gravar alguma coisa com ele na viola campaniça. “Fui tentando trabalhar na parte tradicional, mas ao mesmo tempo fazendo composições novas.” Como não quis gravar sozinho, pensou noutros músicos. Conhecera Daniel Catarino há uma semana, numa jam session (há muitas, em Évora). “Acho que nos conhecemos muitas vezes a tocar uns com os outros.” Daniel acrescenta: “Conheci todos mais ou menos nessa altura, quando estava para sair o primeiro disco dos Uaninauei.” Ele é de Cabeção, não de Évora, como os outros. To-Zé também tem um disco como referência deste encontro: “Foi na altura em que saiu o segundo CD dos Uxu Kalhus, uma banda que tivemos e está mais ou menos parada agora.” Isso foi em 2011 e em 2012 já tinha um single para apresentar.

A vaca, o pato, a mosca

Ainda sem nome, juntavam-se na rua para tocar de improviso, naquilo a que chamaram “ataques ninja” (o termo não é deles, ouviram-no a Winga, dos Blasted Mechanism). Combinavam por mensagens e lá iam, de surpresa e instrumentos na mão. Essas surtidas valeram-lhes convites para tocar e obrigaram-nos a compor mais. “Em cerca de um mês, já tínhamos uma base”, diz Daniel. “E temas para um concerto”, acrescenta Tó-Zé.

Todas as letras são de Daniel Catarino, sendo as músicas do grupo. Que só foi baptizado depois de nascerem os temas. “Quando começámos a fazer canções”, lembra Tó-Zé, “a minha companheira reparou que todas elas falavam em bichos. Curiosamente, nenhum de nós tinha reparado.” Daí a Bicho do Mato foi um pequeno salto. A Ratoeira, depois regravado, single de que ainda existe a versão mais antiga online, esteve no início. “Mas o conceito à volta dos animais e do disco surge com a Vaca sagrada, o Pato psicopata e a Mosca sem asa. Estas três, sim, foi uma coincidência total todas elas terem nomes de animais”, diz Daniel. “E achámos que era perfeito para fazermos uma coisa temática.”

A zoomorfia das canções, porém, é apenas pretexto para falar de questões sociais, que as transferem das quatro patas (ou mais, porque há umas Mãos de aranha coxa) para os muitos bípedes que se confrontam no mundo. Como Escorpião amável. “Normalmente, estamos a brincar com uma ideia musical e alguém sugere um animal que faça lembrar aquele som. Depois, na parte lírica, é a música que indica se será mais incisiva, se será uma canção de amor…”

Aproveitar a poeira de estrada

O disco “tem trabalho de estúdio, mas algo de caseiro também. Não queríamos uma coisa limpinha, que perdesse esse lado artesanal”, diz To-Zé. “Quisemos manter estas texturas de som, estes instrumentos, que em grande parte são portugueses, e brincar com eles.” Daniel completa o raciocínio: “É aproveitar um bocado da poeira na estrada, da sujidade do analógico, do orgânico, que é um conceito que está muito ligado à banda”.

“Somos um grupo português, que toca e canta em português.” E o Alentejo está lá, diz To-Zé: “Estamos nós, que somos alentejanos, está a nossa maneira de olhar o mundo a partir do Alentejo, e nos tópicos das letras, a ironia cultural intrínseca ao alentejano.” Daniel: “O bom humor na desgraça. O disco está repleto de desgraças, desde a Vaca sagrada à destruição da Mosca sem asa. É perfeitamente natural nós estarmos num hospital a ouvir uma velhota com todos os problemas e mais alguns e sair uma piada sobre isso. ‘Vão-me cortar esta perna? Ora ando c’a outra!’ E ainda se ri.”

To-Zé tem outro forte argumento: “Um povo que não ri de si próprio é que é uma desgraça.”

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