O país em que os criminosos são boas pessoas

Por que é que achamos normal um criminoso ser defendido por aqueles que lhe são próximos?

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Hugo Santos

O triplo assassinato em Aguiar da Beira tem estado sob a atenção e o escrutínio dos média e a opinião pública não cessa de tecer pareceres sobre a tragédia que se abateu sobre as suas vítimas e familiares. A desgraça alheia é sempre uma boa forma de captar audiências e a exploração exaustiva de aspectos casuísticos afastam-nos, demasiadas vezes, de tentar identificar aquilo que na cultura pode predispor para a sua ocorrência.

Assim, do ponto de vista de quem assiste aos sucessivos desenvolvimentos desta história, há um padrão que não pode passar despercebido. Esse padrão envolve uma atitude de condescendência e de desculpabilização do suspeito relativamente aos actos praticados, apesar da sua objectiva gravidade, e vai muito além do benefício da dúvida com que qualquer suspeito de crime deve ser brindado num país democrático.

Os seus vizinhos, colegas de escola, conterrâneos, conhecidos e desconhecidos, descrevem-no de forma positiva e é frequente utilizarem adjectivos como “afável”, “meigo, “disponível”, “bom rapaz” e “simpático” durante as múltiplas entrevistas que lhes são feitas pelos vários órgãos de comunicação social. Alguns vão mais longe e dizem que ”se o fez, foi sem querer”, sem deixarem de reforçar a crença na sua inocência.

Poder-se-ia dizer que tal descrição seria inspirada pelo medo derivado do facto de Pedro Dias ainda se encontrar a monte. Contudo, estas caracterizações róseas de suspeitos de crimes hediondos aplicam-se mesmo a criminosos que já foram capturados pelas autoridades ou que já estão mesmo mortos.

Será cobardia ou admiração que leva as pessoas a aplaudir um Manuel Palito, suspeito de quatro homicídios (dois sob a forma tentada e outros dois concretizados), após um mês a monte, aquando da sua chegada ao tribunal, escoltado pela polícia?

No caso de Pedro Dias, é sabido que desde a sua juventude que manifestava tendências delinquentes, muitas vezesencobertas pela própria família, pessoas de posses, reconhecidas na terra e encaradas com uma certa reverência. Por um lado, temos as autoridades competentes que o caracterizam, desde há muito, como um indivíduo perigoso, um psicopata diagnosticado, com cadastro, e por outro, uma família e uma comunidade que o protegem que, contra todas as evidências, o desculpabilizam e mesmo elogiam.

Ou seja, até que ponto é que a nossa cultura, latina e mediterrânica não propicia a emergência deste tipo de comportamentos e não contribui para a sua persistência e até enaltecimento? Até que ponto é que é legítimo a família compactuar com crimes perpetrados pelos seus membros?

Por que é que achamos normal um criminoso ser defendido por aqueles que lhe são próximos? Conceitos como “cosa nostra” e “omertá” fazem sentido em organizações mafiosas e não deveriam fazer parte de uma sociedade que se quer progressista.

Contudo, continuam a ser princípios facilmente observáveis nas famílias e nas comunidades portuguesas e, se calhar, até nas opiniões que tecemos acerca de comportamentos desviantes daqueles que nos são próximos. Os criminosos não nascem criminosos. Crescem, fazem-se e persistem no seu condicionamento se a atitude coletiva o permitir.

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