Não sou uma funcionária. Sou uma colaboradora

Sou uma peça do puzzle e o meu nome do meio é o nome da agência de trabalho temporário que me fica com uma boa percentagem do salário que me é pago

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Oli Dale/Unsplash

Sou uma marca, um aglomerado de rótulos anglicistas, um sujeito que depende do verbo, um indivíduo que comporta um prazo de validade que dizem que aumenta na razão directa do meu grau de proactividade e de entrega ao projecto. O meu mérito é fruto da minha adequação ao sistema e a minha vocação implica não questionar as autoridades e perceber que eu sou sempre a responsável por tudo aquilo que corre mal na empresa.

Sou a estrela do "BackOffice" e a razão para tudo existir. Sou a campeã das métricas e a especialista que faz omeletas sem ovos, a treinadora que inspira todos a irem sempre além das expetativas dos outros e em fazerem disso regra. Alterno uma atitude positiva e encorajadora com reprimendas paternais porque foi assim que alguém me disse para fazer e porque isso resultou comigo. Por isso cheguei onde cheguei. Sou especialista na matéria mas já fui a formanda na qual os líderes da equipa depositaram toda a sua confiança e em relação à qual anteviram altos voos, após a fase de "nesting".

Os meus melhores amigos são os meus superiores hierárquicos pois eles sabem o que é bom para mim e identificam os aspetos em que a minha prestação pode melhorar. Tudo para o meu bem e para o bem da empresa. Se eles acreditam, eu acredito: na missão, no projecto, no "target". Visto a camisola que me enviaram, pelo correio, juntamente com o contrato. Sou uma peça do puzzle e o meu nome do meio é o nome da agência de trabalho temporário que me fica com uma boa percentagem do salário que me é pago, na realidade, por uma empresa que faz o papel de intermediária da empresa que, efetivamente, é a cliente principal.

Sou um "emoji" a comunicar com os outros e o meu discurso é composto por máximas que alguém leu em livros motivacionais ou ouviu em palestras de "coaching" empresarial. Quando quero, sou uma tipa porreira, posso dizer piadas porcas e vou sempre aos jantares da equipa nos quais a coesão grupal é incentivada pelo álcool e garantida com base nas figuras tristes que se seguem ao seu consumo excessivo.

Eu vou até onde eu quiser e os limites são apenas impostos por mim. Outros não foram tão longe. Porque são fracos, ou estiveram doentes demasiadas vezes, ou porque não são ambiciosos. Eu sou resiliente, nunca meti baixa médica, atinjo os meus objectivos semanais e acato as críticas mensais. Simples. Por tudo isso recebo uma centena de euros acima do salário mínimo nacional.

Se não és capaz de dar tudo o que tens para dar em nome de prémios que foram concebidos para nunca serem recebidos, se não progrides numa escala que se constrói com base em elogios semelhantes àqueles que o teu terapeuta te aconselhou a repetir ao espelho, se não te inspira o reforço positivo dos rebuçados que colocamos na tua "clean desk", é porque não és suficientemente bom e mereces permanecer na base da pirâmide desta grande família que é a nossa empresa.

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