Escócia usa arma da independência contra um “hard Brexit

Nicola Sturgeon avança com promessa de realizar novo referendo se Londres ignorar interesses escoceses nas negociações com a UE. Londres diz que consulta de 2014 encerrou debate sobre independência.

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A líder do SNP disse que os tories, no poder em Londres, estão reféns da sua “ala direita xenófoba e furiosa” Russell Cheyne/Reuters

O desafio está lançado – se a primeira-ministra britânica, Theresa May, seguir o caminho de um corte radical com a União Europeia, optando por retirar o país do mercado único europeu, a Escócia vai exigir um segundo referendo para decidir a independência. Ao voltar a acenar com o risco de uma desagregação do Reino Unido, Nicola Sturgeon, a chefe do governo autónomo escocês, usa as armas que tem para evitar que os conservadores britânicos definam os termos de um “Brexit” que a Escócia nunca quis, apesar de as sondagens indicarem que a maioria dos eleitores continuaria a não apoiar a cisão com Londres.   

Três meses depois do referendo que ditou a saída britânica da UE, todo o debate interno gira actualmente sobre duas questões interdependentes: quem definirá a proposta que o Reino Unido levará a Bruxelas e quais são as prioridades do país para as negociações? May insiste desde o início que cabe ao executivo liderar o processo, mesmo que prometa dialogar com o Parlamento e concertar posições com os três governos autónomos (Escócia, Gales e Irlanda do Norte).

Mas todos aqueles que se opuseram ao “Brexit” em Junho se alarmam agora com os sinais de que o executivo se inclina para o abandono de todos os mecanismos da UE, do mercado único à união aduaneira, a fim de garantir que terá plenos poderes para controlar a imigração (assunto que assoberbou a campanha para o referendo) ou definir os seus próprios acordos comerciais – opção já cunhada como “hard Brexit”.

Receios que são redobrados na Escócia, que é a mais pró-europeia das partes que integram o Reino Unido – 62% dos eleitores votaram pela permanência na UE –, mas que é, por razões históricas, a mais hostil aos conservadores no poder em Londres. Sturgeon deixou-o claro no discurso de abertura do congresso do Partido Nacional Escocês (SNP), quando disse que as últimas semanas mostram que o Partido Conservador está refém da sua “ala direita xenófoba e furiosa” e que May tomou como suas “a política e a retórica” anti-imigração do UKIP.

“A primeira-ministra pode ter um mandato para tirar a Inglaterra e o País de Gales da UE, mas não tem qualquer mandato para retirar qualquer parte do Reino Unido do mercado único”, avisou a líder nacionalista no discurso em que anunciou, para gáudio dos militantes, que o apresentará na próxima semana um projecto de lei prevendo a realização de um novo referendo à independência. Uma consulta a realizar antes de o Reino Unido sair formalmente da UE (o que pelo actual calendário pode acontecer na Primavera de 2019) caso as negociações ou o acordo final não tenham em conta a posição escocesa.

Um porta-voz de Downing Street reagiu ao desafio, insistindo que a questão ficou resolvida no referendo de 2014, quando 55% dos escoceses decidiram a favor da união a Londres, que dura há já três séculos. Garantiu também que May – que na semana passada avisara que “o Brexit não é facultativo” – está “absolutamente comprometida” a ouvir as preocupações de Edimburgo. Mas Sturgeon avisou May que não está a fazer bluff: “Se pensa por um segundo que não estou a falar a sério quando digo que farei o que for necessário para proteger os interesses da Escócia, pense de novo.”

Os analistas acreditam que a líder nacionalista escocesa não forçará a consulta – que só o Parlamento britânico pode autorizar – se não tiver a certeza que a pode vencer. E as sondagens indicam que a maioria dos eleitores voltaria a reprovar a independência, um resultado que não se altera mesmo com a perspectiva de saída da UE – a incerteza económica associada ao “Brexit” económica torna os eleitores mais avessos aos riscos da cisão.

Mas Sturgeon acredita que a linha dura de May agravará o ressentimento dos escoceses, e com isso conseguir forçar Londres a fazer cedências a Edimburgo, seja para convencer Londres a fazer cedências a Edimburgo, ou para vencer um referendo caso o “hard Brexit” se concretize. O site da agência Bloomberg não tem, por isso dúvidas: “O sucesso de Sturgeon depende até que ponto o governo de Londres acredita que a sua ameaça é credível.”

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