Cartas ao irmão confirmam nazismo e anti-semitismo de Martin Heidegger

Correspondência do filósofo alemão com o seu irmão, Fritz, vai ser publicada na próxima semana na Alemanha.

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Martin Heidegger Fritz Eschen/ullstein bild via Getty Images

A anunciada publicação da correspondência entre Martin Heidegger (1889-1976) e o seu irmão, Fritz, vai trazer mais achas para a fogueira da discussão sobre o nazismo e anti-semitismo daquele que foi um dos filósofos mais marcantes do século XX.

No final de 1931, Martin enviou ao seu irmão, cinco anos mais novo, um exemplar do livro Mein Kampf (A Minha Luta), de Adolf Hitler, elogiando, numa das missivas, “o excepcional e seguro instinto político” do futuro ditador nazi. Noutra carta, comenta a designada “manobra Papen” – a acção política do chanceler da República de Weimar, Franz Papen, em 1932, com o objectivo de impedir a ascensão do partido nazi – como “um complot judeu”.

As cartas entre os irmãos Heidegger vão ser publicadas, na próxima semana, na Alemanha, pela editora Herder. Excertos dessa correspondência foram publicados, esta quarta-feira, pelo semanário alemão Die Zeit (e também pelo francês Nouvel Observateur), num artigo assinado por Adam Soboczynski e Alexander Cammann. Aí se confirma – dizem os jornalistas – que o anti-semitismo foi “um traço essencial” da filosofia de Heidegger, como de algum modo tinha já sido revelado em 2014, com a publicação, por Peter Trawny, dos Cadernos Negros, uma espécie de diário com notas privadas do filósofo alemão, escritas entre 1930-70.

“As cartas são documentos-chave essenciais para compreender a obra e os seus efeitos, já que até agora não possuíamos qualquer declaração do filósofo sobre o seu engajamento nacional-socialista”, escreve agora Soboczynski e Cammann, antecipando a importância que a publicação da correspondência vai ter para se entender melhor a relação de Heidegger com o nacional-socialismo.

De facto, se as referências do filósofo ao nacional-socialismo são escassas, e se ele foi normalmente visto como uma personalidade apolítica, afastada do mundo real, que tinha apenas cometido alguns deslizes ideológicos entre 1933-34, ano da subida de Hitler ao poder, as cartas vêm agora mostrar que a realidade não era bem essa. Quando, em 1931, envia Mein Kampf ao seu irmão, que era apenas um empregado bancário bastante distanciado do nacional-socialismo, Martin Heidegger estava a “tentar conquistá-lo para a causa do Führer”, defendem os autores do artigo do Zeit. “Descobrimos que Heidegger, contrariamente àquilo em que acreditávamos até agora, é um observador muito atento dos acontecimentos políticos”, acrescentam.

Sobre a já referida “manobra Papen”, o filósofo – que em 1933 chegaria a inscrever-se no partido nazi – lamentava que os judeus tivessem conseguido uma “manobra” que mostra bem como “seria difícil fazer frente a tudo aquilo que era o grande capital”.

“A tomada do poder por Hitler suscita, nestas cartas, ondas de entusiasmo a favor dos novos governantes”, escrevem Soboczynski e Cammann, acrescentando que, enquanto reitor da Universidade de Friburgo – onde entrara como assistente do seu mestre Edmundo Husserl ­–, Heidegger se queixava apenas do facto de a expulsão dos seus colegas ter significado um aumento de trabalho para ele.

Noutra carta ao seu irmão, o filósofo desculpa as “coisas bastante baixas e pouco recomendáveis” do novo regime, quando confrontadas com “os grandes desígnios” do Führer. E, já em 1943, Heidegger lamentava que o “espírito germânico” corresse o risco de ser destruído pelo “bolchevismo” e pelo “americanismo”.

A desmoronar ainda mais o mito de que o filósofo se distanciara do nacional-socialismo, os jornalistas alemães citam uma passagem de uma sua carta ao irmão em Julho de 1945, estava a guerra a aproximar-se do desfecho, em que Heidegger se refere assim ao facto de alguns dos sobreviventes dos campos de concentração terem sido alojados no seu apartamento: “É pouco agradável!”

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