O Ministério Público informa ou denuncia?

É sempre tempo de falar de direitos, liberdades e garantias individuais. Matéria de que muito se trata quando os confrontos e litígios aquecem, mas que logo arrefece passada a tempestade. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não se cansa de lembrar que tais direitos são para viver e respeitar rigorosamente.

O Ministério Público (MP) não deve alhear-se desses direitos. A sua natureza de órgão constitucional, com competência para a defesa da legalidade democrática e exercício da acção penal, é incompatível com uma postura displicente e desinteressada nesse domínio.   

Há dois anos, o sociólogo Pedro Adão e Silva (PAS), concedeu uma longa entrevista ao Jornal de Negócios. Dizia que “o poder do Ministério Público tem sido uma ameaça à democracia. Uma espécie de espada de Dámocles por cima de todos nós”. Não é preciso um laborioso esforço intelectual para perceber que o sociólogo cometia grave exagero. Ou que a retórica se apossou do discurso de forma muito injusta e infeliz.

Não se exige ser génio para constatar que PAS prescindiu de uma análise isenta do MP. Um curto passeio pelos meandros da entrevista é suficiente.

O MP calou-se ante tão graves acusações. Nada esclareceu. Não pediu esclarecimentos. As cúpulas do MP, sempre disponíveis para interpelar magistrados que ousem publicitar a opinião mais singela, fizeram de conta. A questão era melindrosa. Engoliram.

Acusações daquele tipo surgem hoje com outras roupagens. Nos processos mediáticos, com designações policiais aristocráticas, oceânicas, telúricas e outras. O MP apreciou e adoptou o “newspeak” de cariz policial. Usa-o por sistema nos comunicados informativos em que não informa nada.

O MP tem o dever de informar, o dever de prestar contas à comunidade. Não tem o “dever de denunciar” seja quem for, como quer, o que quer, quando quer. Levianamente. Para mostrar serviço e intimidar. O dever de informar cabe a todo o MP. Não é monopólio da hierarquia. Tem uma estrutura hierárquica. Não centralizadora.

Causa repulsa ver denunciar abstractamente os cidadãos “visados”, por terem supostamente cometido este ou aquele crime, esta ou aquela fraude. Não se informa um facto. Antes a suspeita de um facto. Dão-nos o nome de um (uns) crime(s) sem nada lá dentro. Chamam a isto informar! O princípio da presunção de inocência é beliscado ainda o processo criminal germina nas entranhas do MP. Ninguém tem dúvidas, até o MP, de que, ao anunciar tais “factos”, está a impulsionar um juízo de condenação social. O MP não informa sobre factos, antes sobre normas criminais. Formula um juízo acusatório de reprovação infundamentado. Que não mais voa das páginas das estações televisivas e frontispícios dos jornais. Dá início ao julgamento paralelo dos “visados”. São julgados todos os dias na rua. Não é digno de um Estado de Direito. É injusto.

O MP tem de informar, não pela imputação teórica dos crimes, antes com concretização factual. Isso é que é informar. Não é com nomes do Código Penal, escondendo-se atrás do segredo de justiça para nada informar. Se há segredo de justiça, tem um remédio. Aguarde o momento processual conveniente. O que não pode é imputar crimes e atribuir-se com legitimidade para investigar durante os anos que lhe apraz. Não pode transmudar-se numa agência global de denúncia e intimidação.

Tal actuação desrespeita a dignidade e honra dos denunciados. O papel do MP não é o de limpeza social. Nem lhe cabe carimbar, seja lá quem for, como autor, suspeito embora, deste ou aquele crime. Sem adição dos factos justificativos. A prevenção criminal, nestes casos, não está cometida ao MP quando e enquanto investigador. Está entregue à sentença condenatória. O MP, como órgão constitucional de exercício da acção penal, não tem que concorrer e partilhar populismo com os jornais. Tem de desempenhar as suas funções de acordo com a Constituição e a Lei. Tem de cuidar dos direitos, liberdades  e garantias dos cidadãos. Do que anda muito arredado. Não é um poder autoritário. Uma fonte de terror e abusos. Não temos de ter medo do MP. Temos de confiar nele. É um órgão da democracia. Por regra, limita-se a um papel tristemente acusador. Empobrece-se e empobrece as suas nobres funções.

Aqui e ali, serve-lhe a indumentária de Pedro Adão e Silva.

Procurador-Geral Adjunto

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