MAAT, celebrar o movimento

O novo MAAT traz para Lisboa outras noções de contexto, de espaço público e espaço museológico inscritos numa arquitectura global.

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Rui Gaudêncio

A construção de um novo museu é para a estratégia de uma cidade contemporânea com ambição de criar um lugar na geografia europeia um motivo de celebração. A inauguração do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), um museu privado, constitui por isso um acontecimento relevante em Lisboa, também porque propõe um trabalho transdisciplinar e de tratamento equitativo entre práticas com fortes pontes de conexão entre si. Mas a construção de um novo museu é também, ou deve ambicionar ser, uma oportunidade para a reflexão sobre o significado da instituição museu. O MAAT procura isto através da sua designação e foi encomendado à arquitecta britânica Amanda Levete, cujo trabalho é principalmente conhecido pela obra do atelier Future Systems e, já em nome próprio, pela ampliação do Museu Victoria & Albert em Londres.

O novo museu implanta-se numa zona da cidade com forte afirmação de equipamentos culturais, e, em particular, com uma relação visual directa com o recente Museu dos Coches desenhado por Paulo Mendes da Rocha. São duas formas de entender a cidade completamente distintas entre si e de tudo o que se construiu em Lisboa. Ambas procuram contribuir com outras noções de contexto, de espaço museológico e espaço público distantes da matriz dominante da arquitectura feita por arquitectos portugueses. Em ambos os projectos a noção de contexto está associada à capacidade de os edifícios criarem a sua força centrípeta e uma transformação a partir do seu impacto. O edifício de Mendes da Rocha relativiza a presença do rio e procura a cidade como ponto de ancoragem e o MAAT toma o rio como o seu desígnio principal, convocando ondulações e brilhos e relativizando todos os outros pontos possíveis de ancoragem conceptual à cidade.

O Museu dos Coches levanta-se do pavimento e estabelece uma relação de tensão positiva com as construções vizinhas — com a crença de que estas se irão transformar. O MAAT cria uma nova topografia que permite uma nova e surpreendente relação visual com a colina da Ajuda e com o rio. Este novo espaço público elevado é a sua maior contribuição, mas é também o motivo da sua maior fragilidade — o facto de criar uma traseira, com materiais distintos do revestimento cerâmico que domina a sua frente de rio, ao longo da barreira do caminho-de-ferro e das avenidas que funcionam como vias rápidas. De certo, modo perpetua uma barreira que a cidade há muito questiona.

O edifício de Amanda Levete possui a qualidade de um gesto de continuidade entre interior e exterior. A formalização do gesto conduz o visitante de modo fluido a uma sala elíptica de grandes dimensões que celebra o seu programa. Depois de uma zona de sombra que funciona como átrio exterior, encontra-se no interior a rampa e a escada que envolvem esta sala. Trata-se de um movimento de contacto franco com a exposição que se mostra muito eficaz. Com o seu tecto negro com infra-estruturas à vista esta sala funciona como um hangar. A informalidade do exterior concretiza-se no interior. Para um projecto que parte da celebração do movimento e das conexões é coerente que o espaço interior ambicione esta mesma intenção. A matriz deste gesto recua a projectos célebres (e outros menos célebres) dos anos 90 de Zaha Hadid em que se procurava o “movimento congelado”, passível também de se encontrar no terminal fluvial de Iocoama no Japão, desenhado pelo atelier Foreign Office, e em muitos outros lugares onde a estratégia de uma arquitectura global domina.

Entrevista a Amanda Levete: “A época dos edifícios icónicos está a passar”

Embora o edifício não esteja ainda acabado (está por construir a ligação em ponte ao lado norte, vital para atribuir a força de conexão ao sistema), é possível perceber que a sua construção aspira ao efeito “Casa da Música” — ou seja, pela diferença dos seus postulados, pelo modo como utiliza os materiais de revestimento, pela força sedutora da sua imagem, procura contribuir para uma ideia de novo, de desconhecido. E seguramente a cidade irá aderir, porque este é em Lisboa o primeiro exemplo construído. Mas é impossível não pensar na possibilidade de esta operação ter questionado o significado da construção de um museu na especificidade deste lugar. Se os edifícios demolidos industriais, pertencentes ao conjunto da Central Tejo, não poderiam ter sido objecto de uma transformação para a construção de um museu que tirasse partido da uma realidade complexa e concreta? Algumas das experiências relevantes das últimas décadas em torno da instituição museu recorreram a essa possibilidade — por exemplo, do conjunto DIA Beacon no estado de Nova Iorque ou a Tate Modern em Londres. Isto, porque o MAAT funciona melhor quando percebido como objecto autónomo e pior na ligação física (ao toque) à Central Tejo. Eventualmente, seria necessário que o edifício de Amanda Levete se autonomizasse de todas as presenças imediatas para clarificar esse desejo de trabalhar apenas a celebração do movimento.

Um museu estará sempre dependente da conexão entre a arquitectura e a sua programação. A inauguração do MAAT demonstrou que o efeito de impacto desejado se prolonga nos conteúdos. A convivência das várias práticas das exposições inaugurais contribui para uma percepção do edifício capaz de acolher o movimento entre disciplinas. Aguarda-se agora a capacidade de o edifício se deixar questionar pelos artistas e arquitectos que nele irão intervir captando o seu público.

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