A economia do futuro pertence aos trabalhadores independentes

Existem cerca de 162 milhões de trabalhadores sem vínculo nos EUA e na Europa e nos próximos anos serão muitos mais. O emprego para a vida é uma “relíquia do passado”, avisa uma das maiores consultoras mundiais.

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As plataformas como a Uber estão na linha da frente na nova economia dos trabalhadores independentes Nelson Garrido

Podem ser motoristas a trabalhar para uma plataforma online; podem ser proprietários a arrendar o apartamento para um fim-de-semana; ou artistas a comercializar artesanato através de um site de compra e venda. Os trabalhadores independentes estão a mudar a economia mundial e a Internet dá-lhes um impulso precioso.

De acordo com os dados da McKinsey Global Institute, os trabalhadores independentes constituem entre 20 a 30% da população activa dos Estados Unidos e de 15 membros da União Europeia – o equivalente a 162 milhões de pessoas. “Os números por si só podem parecer surpreendentes e apontam para a possibilidade de uma mudança estrutural no mercado laboral”, notam os autores.

No estudo, um trabalhador independente é definido como alguém cujo trabalho preenche três critérios: um elevado grau de autonomia, pagamento por cada tarefa ou venda, e uma relação de curto-prazo com o cliente. A definição é mais abrangente que o conceito tradicional de trabalhadores por conta própria, acabando por abarcar até quem apenas arrenda uma casa, por exemplo.

De fora ficam, porém, os trabalhadores com contratos a termo, renovados de forma contínua, e que é uma das formas mais comuns do chamado “trabalho precário”. “Espera-se que estes indivíduos cumpram horários de trabalho regulares com pouca autonomia e têm uma relação continuada com o empregador”, justificam os autores do estudo da consultora norte-americana.

A McKinsey cruzou os dados estatísticos oficiais de 16 países com inquéritos mais aprofundados a oito mil pessoas de seis países (EUA, Alemanha, França, Reino Unido, Suécia e Espanha).

A grande maioria (70%) diz trabalhar de forma independente por vontade própria, com os restantes a manifestarem preferência por empregos tradicionais. Mas a motivação destes novos trabalhadores está ligada ao contexto, alertam os autores. “Numa conjuntura de desemprego elevado consistente, Espanha, por exemplo, tem uma maior fatia de trabalhadores independentes do que nos restantes países da nossa sondagem”, analisa o estudo. Os espanhóis também são os que se dizem menos motivados a trabalhar de forma autónoma – são 42% os que dizem fazê-lo por necessidade – e são igualmente mais os que têm baixos rendimentos.

Ao todo, a consultora estima existirem cerca de 50 milhões de trabalhadores nos EUA e na Europa empregados de forma independente por necessidade, dos quais 20 milhões obtêm dessa forma a maioria do seu rendimento. O estudo conclui que o rendimento dos agregados é, em média, mais reduzido para os trabalhadores independentes, embora não seja possível estabelecer se o rendimento se reduziu com a passagem para esta modalidade ou já o era antes.

Plataformas online pouco usadas

O papel da Internet e da chamada “economia da partilha” não foi esquecido pelo estudo. Em Portugal, o debate sobre a Uber está ao rubro, com os taxistas a apontarem para as distorções ao mercado de trabalho que a plataforma está a promover. Porém, apenas 15% usaram este tipo de mecanismos para ganhar dinheiro. Segundo o estudo, são os vendedores (63%) os que mais aproveitam as potencialidades tecnológicas da Internet, seguindo-se os que disponibilizam bens para arrendamento ou aluguer (36%). Entre os que fornecem serviços, como é o caso dos motoristas da Uber, apenas uma reduzida minoria, cerca de 6%, as utilizam.

As conclusões do estudo apontam para uma tendência de crescimento do trabalho independente. Cerca de 14% das pessoas empregadas por conta de outrem ou desempregadas dizem querer tornar-se trabalhadoras independentes, de acordo com o inquérito. Para além disso, calcula-se que entre 30 a 45% da população activa diz estar interessada em desenvolver outro tipo de actividades para obter uma remuneração secundária. As projecções apontam para um crescimento da população activa independente na Europa dos actuais 89 milhões para 138 – nos EUA aponta-se para que possa atingir 129 milhões, face aos actuais 76.

Partindo do princípio de que a tendência é irreversível, os autores deixam recomendações para os governos e empregadores sobre como lidar com este fenómeno. A ausência de medidas de protecção social, como subsídio de desemprego para os trabalhadores independentes é o problema mais urgente. “As políticas laborais desenvolvidas para a era industrial muitas vezes não se aplicam ao mundo do trabalho independente. Talvez seja tempo de modernizar a rede de segurança e as protecções do trabalhador para melhor reflectirem as realidades do mercado de trabalho actual”, alertam os autores.

Para os trabalhadores parece ter chegado o momento de reconhecerem que “o emprego para vida numa só empresa é largamente uma relíquia do passado”. “Cada trabalhador independente tem de operar como um pequeno negócio autónomo. Isto requer competência administrativa e poder de antecipação para preparar para picos e quedas nos rendimentos, preencher todas as obrigações fiscais e legais, e gerir as próprias poupanças de reforma.”

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