A viagem para cima

Quando acaba um fim-de-semana dos bons é como se tivesse acabado a vida.

Já é segunda-feira? Então estou outra vez em casa, a trabalhar. Para onde foi o mar de Outubro com 22 graus onde ainda ontem tomei banho? Por onde saltam as perninhas de lebre que fugiam por um morro acima, incapazes de não dar nas vistas, conseguindo sempre gerar o pânico entre as perdizes gorduchas e simpáticas que são as anti-estrelas do sapal dos flamingos?

O trânsito em Lisboa está paralisado? Então deve ser hoje, segunda-feira. Nem era uma só lebre, eram quatro ou cinco. Põem-se especadas à beira do caminho de terra pisada que percorre uma das reservas naturais de Castro Marim. Estão à espera que apareça um automóvel. Quando aparece o nosso, divertem-se a assustar-se umas às outras, soltando gargalhadas de terror fingido.

Percebe-se que, perante tal brincadeira, brincada trinta vezes por dia durante todas as vidas, um caçador seja tentado a dar um tiro para o ar, como contributo de realismo. As lebres aparecem depois nas fotografias que tirámos como se cada uma tivesse sete pernas esticadas. Parecem mantas atiradas para tapar os picos. Parecem tudo menos lebres.

Quando acaba um fim-de-semana dos bons é como se tivesse acabado a vida. Começa-se a chorar a meio do almoço de domingo. Alguém diz, entre explosões salinas, que ainda não é segunda-feira, que ainda faltam a tarde e a noite inteiras de domingo.

Mas é mentira. Já é segunda-feira, não é?

As lebres estranharão a ausência de automóveis domingueiros. Ou já estarão habituadas? Que boas segundas-feiras que elas têm.

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