Um turista português em Portugal: crónica de uma vida entre dois mundos

Depois vêm as despedidas.“O mundo é pequeno”, dizemos. O nó na garganta, as lágrimas, as palavras que não saem mas se sentem

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Mantas Hesthaven/Unsplash

Conseguia jurar que aterrei em Portugal a semana passada mas o calendário marca um mês. E antes que conseguisse perceber o que aconteceu, já estou noutro terminal de aeroporto, algures a 6000 km de casa, à espera de um novo voo que me leve para o outro lado do mundo, para outra casa. Porque casa é onde estamos bem, onde o coração está. Mas e se estiver bem em mais do que um sítio? E se o coração estiver dividido?

Um mês! Como é possível? Ainda faltou fazer tanto! Era só mais uma semana. E outra. E ainda outra. Para mais um café, mais um jantar, mais uns minutos de conversa, mais um abraço, mais um jogo. Mais um encontro para deixar novas memórias e reavivar sentimentos que a distância perversamente vai apagando. Procurei lugares, pessoas e contextos que me fizeram feliz para encontrar a nostalgia de reviver o passado. A ilusória expectativa de procurar uma realidade tal como a deixei para perceber que o tempo não tem nada de relativo mas sim tudo de absoluto. É um monstro calculista e impiedoso, frio e indiferente a apelos.

Sempre presente nas mais diversas formas para nos lembrar que não se esqueceu de ninguém e que nós não nos devemos esquecer dele. É perceber que a vida continua, sempre, quer estejamos presentes ou não. E isso tem tanto de caloroso como de assustador. Em cada reencontro há uma vontade incontrolável de recuperar o tempo perdido, de ver todos, de saber como cada um está, o que fez, para onde vai. A distância tem um efeito selectivo, ajuda a perceber quem está mais perto do coração. E para esses, um olhar ou um abraço desdobram-se nas mais naturais conversas, em minutos que sabem a horas, dias, como se estivéssemos apenas em pausa e, como nos jogos, à distância de um simples clique no “Continuar”. Família e amigos cobram todas as horas, dias e anos de saudade, com muitas perguntas, curiosidades, fascínios e a inevitável “quando voltas?”. A temível questão que nem sei responder a mim próprio.

Voltar à casa partida, tal como nos jogos, faz parte do ciclo. É um fim e um novo começo. Dá energia para continuar a jogar mas também nos lembra, duramente, dos custos deste jogo. A cabeça anda a mil, num turbilhão de emoções com demasiados sentimentos e informações para processar em tempo útil. Percebo que já não sou daqui. Mas também não sou de lá. Vivo num limbo, numa zona cinzenta entre dois mundos que dificilmente coexistem, com moedas de diferentes países na carteira e expressões sem tradução na cabeça. A vontade de ficar e a pressa de partir. E é também aqui que percebo como o meu cérebro é preguiçoso, como aprecia o conforto e as soluções fáceis. “Tu nem gostas de viajar!”, sussurra-me, “Pensa só na complicação de arrumar malas, passar horas sentado num avião, mais escalas, mais horas de aborrecimento…E para quê? Não tás bem aqui?”.

Aproveito a facilidade em viver no nosso país. É a nossa língua, são as nossas pessoas, é aquilo que somos, espelhados em todas as ruas. Problemas não parecem missões impossíveis e céu azul é uma bênção difícil de explicar. Estou apenas de visita, bem sei, e ser apenas turista é fantástico, mesmo nas nossas cidades. Assumo esse papel e disfruto da imensidão que o nosso país tem para oferecer. Porém o diabo vive nos detalhes e são os silêncios, os olhares e o ver para além das saudades, para além do olhar enviesado de visitante que me relembram as razões que me fizeram sair e as que ainda me mantêm fora do país.

Depois vêm as despedidas.“O mundo é pequeno”, dizemos. O nó na garganta, as lágrimas, as palavras que não saem mas se sentem. E o mundo já não parece tão pequeno assim. São momentos de dúvidas, de incertezas que só são ultrapassados com um desligar do cérebro. Sai um Até já, vou buscar coragem onde parece não existir e acordo do outro lado do mundo ainda sem saber se regressei ou deixei a casa.

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