Governo recua, para já, no acesso a dados bancários acima de 50 mil euros

Nova versão do decreto-lei vetado pelo Presidente da República já não prevê acesso ao saldo das contas acima de 50 mil euros de quem vive em Portugal. Mas o executivo admite voltar a discutir esta norma.

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Rocha Andrade (à direita) Enric Vives-Rubio

Como o PÚBLICO noticiou, depois do veto do Presidente da República, o Governo desistiu, para já, do diploma que iria obrigar os bancos a enviarem ao fisco informação sobre o saldo das contas bancárias de quem vive em Portugal e tem mais de 50 mil euros depositados numa instituição financeira. Mas não abandonou a ideia, admitindo voltar mais tarde a discutir esta medida.

Na reunião do Conselho de Ministros desta quinta-feira, o executivo aprovou um novo diploma sobre troca de informações financeiras mas sem aquela norma relativamente aos residentes em Portugal. O novo decreto-lei dá seguimento aos compromissos internacionais, obrigando apenas os bancos a enviarem ao fisco dados sobre o saldo bancário dos não-residentes em Portugal.

Para já, Portugal está apenas a transpor para a legislação nacional a directiva europeia que regulamenta a troca automática de informações financeiras entre os países europeus e o acordo FACTA com os Estados Unidos, algo que o Presidente da República disse ser “indiscutível”.

Assim, os bancos a operar no mercado português terão de enviar ao fisco uma vez por ano informação sobre o saldo dos não residentes em Portugal que têm contas no país. Das administrações fiscais dos outros países europeus, que também são abrangidos pela mesma directiva europeia, a administração fiscal vai receber informação sobre as contas detidas por residentes no estrangeiro, o que inclui cidadãos portugueses.

O que é o fisco fica a conhecer?

Ao contrário do que estava previsto na norma que abrangia os residentes (50 mil euros), a directiva europeia não prevê limite mínimo para esta informação ser enviada ao fisco, ou seja, a administração fiscal vai ficar a conhecer quanto é que um não residente com conta em Portugal tem aqui depositado, independentemente do valor. Para as contas existentes até 2015, esta troca está limitada aos saldos a partir de mil euros.

Ao aplicar ao mesmo tempo o acordo FACTA, a autoridade tributária portuguesa vai ter acesso (e comunicar aos Estados Unidos) informação sobre o saldos bancários e informações de aplicações financeiras (sediadas em Portugal) detidas por cidadãos americanos residentes em Portugal, dados de residentes nos Estados Unidos que tenham contas em Portugal e ainda das informações de cidadãos portugueses com autorização de residência nos Estados Unidos. Neste caso, os bancos vão ter de enviar estes dados ao fisco em relação às contas acima de 50 mil dólares.

A primeira comunicação deve ser feita ao fisco pelos bancos até ao final de Julho de 2017 (para os saldos à data de 31 de Dezembro de 2016), seguindo-se a mesma regra nos anos seguintes.

Embora o Governo tenha deixado cair a norma relativamente aos saldos dos residentes acima dos 50 mil euros, o executivo admite mais tarde voltar a discutir esta regulamentação, à qual Marcelo Rebelo de Sousa se opor considerando a “inoportunidade política” desta parte da lei, nomeadamente pelo “escasso debate” sobre o assunto e invocando “ sustentação para a estabilização financeira duradoura”.

Aliás, entretanto, o gabinete do primeiro-ministro sublinhou em comunicado a esclarecer que “não é verdade que o Governo tenha desistido do sigilo bancário ou deixado cair o decreto-lei das contas bancárias”, sublinhando que “o Governo acertou com o Presidente da República que adiaria esta medida para quando as circunstâncias conjunturais invocadas pelo Presidente da República estejam ultrapassadas”.

“Admitimos em outras condições” discutir e aprovar legislação nesta matéria, afirmou a ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, no final do Conselho de Ministros, deixando a porta aberta a colocar a questão em cima da mesa mais tarde. “Tendo em conta a razão invocada pelo Presidente da República para a devolução do diploma anteriormente aprovado, o Governo decidiu esperar por circunstâncias conjunturais adequadas para concluir a regulação desta matéria”, frisou. Aliás, no comunicado do Conselho de Ministros, o executivo dá como certo que “concluirá a regulação desta matéria, essencial ao combate à fraude e evasão fiscal, logo que tais circunstâncias estejam ultrapassadas”.

Uma das críticas de Marcelo Rebelo de Sousa foi o facto de a media não ter tido o “indispensável e aprofundado debate público, exigido por uma como que presunção de culpabilidade de infracção fiscal de qualquer depositante abrangido pelo diploma, independentemente de suspeita ou indício”. E apresentou dois “problemas” relativamente ao momento em que a lei foi apresentada: “O primeiro é o de que se encontra ainda em curso uma muito sensível consolidação do nosso sistema bancário. O segundo, com ele intimamente associado, é o da confiança dos portugueses, depositantes, aforradores e investidores, essencial para o difícil arranque do investimento, sem o qual não haverá nem crescimento e emprego, nem sustentação para a estabilização financeira duradoura”.

No final do Conselho de Ministros, nem Manuela Leitão Marques, nem o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, disseram em que momento o Governo poderá voltar a insistir nesta medida.

O veto do Presidente mereceu críticas dos representantes dos inspectores tributários, que consideraram “incompreensível” a justificação de Marcelo Revelo de Sousa, lembrando não estar em causa o levantamento do sigilo bancário e denunciando o facto de haver uma “situação de desigualdade no acesso a dados bancários” entre cidadãos portugueses e cidadãos estrangeiros não residentes.

A justificação de Marcelo para vetar acesso do fisco às contas bancárias

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