O admirável labirinto de Nicolas Jaar

Pode parecer um labirinto, mas nunca nos perdemos nele, com tantos géneros diferenciados a funcionarem em conjunto.

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Nicolas Jaar: a coerência na diversidade

Em 2012, em conversa com Nicolas Jaar, este confessava-nos que os pais (o artista plástico chileno Alfredo Jaar e a ex-bailarina Evelyne Meynard) haviam sido determinantes na sua aprendizagem musical diversa, que havia passado pela audição de jazz, mornas, fado, rock, Keith Jarrett, John Cage, Beach Boys ou música house dançante. Essa multiplicidade já se sentia no magnífico álbum de estreia, Space Is Only Noise (2011), que haveria de o situar como um dos jovens mais cintilantes da nova geração electrónica, e volta a acontecer em Sirens.

Tinha então apenas 21 anos, provindo da boémia nova-iorquina com um pé nas sonoridades house, na música soul, no psicadelismo ou no ambientalismo. Na altura causou sensação a sua estreia, coincidindo com a de James Blake, os dois apostando em tipologias diferentes, mas com um efeito emocional semelhante. Jaar partia das sonoridades house para acabar por encontrar um equilíbrio entre reduções rítmicas, definições atmosféricas oníricas, minimalismos electrónicos ou resquícios de jazz, sabendo mover-se com à vontade nesses territórios, que completava com apurada sensibilidade pop.

Killing time
The governor
Three sides of nazareth

Acabou por agradar a muita gente, parecendo integrar bastantes coisas numa fórmula já testada, mas que na verdade acabava por resultar em algo de singular, bem urdido e paciente. Depois desse disco não mais parou, criando bandas sonoras (Pomegranates), lançando a série de máxi-singles Nymphs (2015) ou desenvolvendo o projecto paralelo Darkside, para além de gerir a sua editora, a Other People. E agora eis que chega o segundo álbum em nome próprio, um disco de profundos contrastes, mas também de assimilações orgânicas e de fragmentos que nos soam familiares, no qual se encontram espaços comuns para temas de raiz muito diversa.

Em primeiro lugar, existe o ambiente. A música flutua no espaço no primeiro e longo tema, Killing time, um lugar urbano, de ruas vazias e ruídos distantes, com alguns acordes de piano a rememorarem o jazz ou a melancolia electrónica de músicos como Burial. Depois ouve-se The governor, com a voz e a dinâmica rítmica a fazerem lembrar os Suicide, com laivos de jazz misturados, numa espécie de desvairada evocação electrónica dos anos 1950, enquanto Leaves nos coloca outra vez em terrenos atmosféricos com fragmentos ruidosos em fundo. De seguida entra em acção No, com ele a dar-nos a sua versão da cumbia sul-americana, num tom pausado, quase melancólico, longe do festim a que o género é associado, enquanto em Three sides of Nazareth aborda uma espécie de rock electrónico sumptuoso, que tem tanto de futurista como de sugestão pós-punk. O mesmo acontece no tema final, History lesson, com ele a cantar como se fosse um Roy Orbison contemporâneo.

Há batidas lânguidas digitalizadas e fracções acústicas, existe contenção e movimentos expansivos, ritmos em câmara lenta e acelerados e uma voz (em castelhano e inglês) que canta momentos biográficos e históricos, com alusões à implantação da democracia no Chile onde ele cresceu em parte da adolescência. Pode parecer um labirinto e de certa forma é-o, mas nunca nos perdemos nele, com tantos géneros diferenciados a funcionarem em conjunto. É como se Nicolas Jaar encontrasse coerência na diversidade, porque tudo o que aborda faz parte da sua educação emotiva e do seu projecto vital, sabendo transformar tudo em algo revitalizante e fora de tempo.

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