Os nove desafios de António Costa em 2017

O próximo ano de mandato vai ser cheio de armadilhas para o primeiro-ministro, internas e externas. E de equilíbrios difíceis de manter, que vão da gestão dos equilíbrios entre o PCP e o BE até à estabilização do sistema financeiro.

Foto
2017 é um ano com algumas barreiras difíceis para António Costa DANIEL ROCHA

1. Crescimento económico

É o desafio mais importante deste ano e do próximo. Sem crescimento económico que se veja, a política do actual Governo será, no mínimo, mais difícil de manter. A conjuntura internacional não ajuda e a devolução de rendimentos tarda em acelerar a força do motor interno da economia. Nos primeiros meses de 2016, o Governo teve de rever as previsões para este ano. Em vez dos 1,8% iniciais, António Costa já diz que não crê que o PIB - a pedra basilar para todo o cenário macroeconómico deste e dos próximos anos - possa crescer "muito cima" de um por cento.

Para ajudar ao crescimento há uma rubrica que preocupa oposição, Governo e até os partidos que o apoiam: o fraco crescimento do investimento, sobretudo o público. O Executivo diz que a culpa é do anterior governo que não deixou projectos preparados.Passa culpas à parte, ficam os avisos do Presidente da República para as várias rubricas que quer ver melhoradas: “Fomentar exportações e atrair investimento é essencial para evitar os problemas das contas externas. Controlar o défice no Orçamento do Estado é fundamental para evitar os contratempos das contas internas” E depois continuou: “Não tem sido evidente que a evolução do investimento, das exportações e do próprio consumo interno permitam antever o crescimento desejado (…). Mais uma razão para reforçar a aposta nesse investimento, atraindo-o e não o retraindo. E nas exportações, diversificando-as com imaginação e com empenho".

2. Europa: Alternativa dos mediterrânicos?

É certamente o desafio mais abrangente e definidor da política que António Costa pode fazer por cá. E aquele que pouco ou nada depende do primeiro-ministro. Costa foi o homem que garantiu que terá outra voz na Europa, quando em comparação com o anterior Governo, e, mais que não seja pelo calendário, terá no próximo ano um desafio a cumprir: Portugal será o anfitrião da II Cimeira dos Países do Sul na União Europeia. "A última crise [sanções] conseguiu geri-la relativamente bem, mas António Costa tem uma capacidade limitada. Se Itália resolver ter uma postura mais interventiva, poderá ser melhor para nós", diz Daniel Oliveira. O comentador e ex-dirigente do BE sintetiza assim a missão do primeiro-ministro: "Passa por gerir a flexibilidade ou a falta dela da Europa".

Até agora, Costa fez passar em Bruxelas o esboço do Orçamento para este ano e o Programa de Estabilidade, evitou as sanções a aplicar ao país por incumprimento do défice de 2015 e está agora a braços com a discussão sobre a suspensão de fundos europeus.

Este desafio tem também uma vertente interna: "Gerir o pequeno intervalo entre a Europa e o PCP e o BE. Como conseguirá ele gerir um caminho que pode ser cada vez mais estreito?", questiona Daniel Oliveira, para quem o Bloco tem feito uma "gestão mais mediática" da camisa de forças e que os "sinais mais preocupantes" que vê são do lado do PCP.

3. Gerir o "Brexit"

Além da gestão da política europeia, Costa vai deparar-se com outro debate: o que fazer em relação à saída do Reino Unido da União Europeia? "Acredito que não vai haver unanimidade em Portugal. Temos uma aliança de muitos séculos com o Reino Unido, país do qual sempre fomos muito próximos na esfera europeia, eles saem e nós vamos continuar como se nada se passasse?", questiona Pedro Adão e Silva. O comentador e professor no ISCTE acredita que economica e politicamente esta é uma questão muito forte para o país que terá de definir os "alinhamentos internacionais" que têm sido mais com o Reino Unido e "não serão convergentes com o resto da Europa". Mais do que um debate entre políticos, será, defende, um debate na sociedade e essa "poderá não estar toda do mesmo lado".

4. Estabilizar o sistema financeiro

O primeiro-ministro acredita que a parte de leão dos problemas da banca fica encerrada este ano: já tem acordo prévio para a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, em cerca de cinco mil milhões de euros, e garante, em entrevista ao PÚBLICO, que até ao final deste ano ficará fechada uma solução para o crédito malparado de todos os bancos. Mas há mais nós para desatar no que à banca diz respeito. A semana passada, o Governo deu mais tempo aos bancos para devolverem os empréstimos ao Fundo de Resolução. Nas mãos do Fundo está um dos maiores imbróglios que Costa tem para resolver no próximo ano: a venda do Novo Banco. Além disso, tem ainda de operacionalizar a solução para os lesados do BES.

5. Autárquicas: o teste dos dois anos 

Mais do que um teste eleitoral, é um teste político à solidez do Governo do PS com o apoio de dois dos partidos à sua esquerda. E o peso é maior para o PCP. "Para a 'geringonça' o ideal é que fique tudo como está", diz Daniel Oliveira. Ou seja que o PCP não "perca peso" nas autarquias e o PS não ganhe demasiado. 

Ultrapassar as eleições autárquicas é também fechar a barreira dos dois anos de Governo (meio mandato legislativo) e três orçamentos. Mas, para isso, é preciso que se mantenha o equilíbrio entre PCP e PS. A nível das cúpulas, o PS vai tentar "não vai competir com o PCP nas câmaras que disputam", diz Pedro Adão e Silva. Apesar disso, defende o comentador, as disputas locais existem e as estruturas terão dificuldade em aceitar um "pacto de não agressão" em prol de um bem maior: o da estabilidade do Executivo. Neste ponto, a tensão será mesmo entre PS e PCP, "o BE vai fazer um discurso de desvalorização das autárquicas".

6. Remodelar ou não remodelar?

A um ano das eleições (ainda falta um pouco mais de um mês para ser um ano de Governo), Costa viu-se obrigado a remodelar o Governo por causa de uma polémica com João Soares, então ministro da Cultura, mas até agora não sentiu necessidade de reforçar a equipa em mais nenhuma área. Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia, tem sido apontado como o elo mais fraco do Governo – o próprio primeiro-ministro chegou a fragilizá-lo em público quando em pleno congresso do partido disse que ele era “tímido”. Costa tem segurado a sua equipa mesmo quando esta esteve debaixo de fogo. Foi o caso do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, ou do ministro das Finanças, Mário Centeno. Aliás, a pouca propensão de Costa para mexer no Executivo foi evidente quando, apesar de toda a polémica, não deixou cair os três secretários de Estado que foram ver jogos do Euro a França a convite da Galp.

Há ainda outro aspecto a ter em conta. Neste primeiro ano, António Costa tem centralizado a resposta política. Apesar de ter no seu núcleo duro alguns ministros com poder de fogo, não tem dado lugar de destaque a um “número dois” evidente, como era Paulo Portas para Passos Coelho ou Pedro Silva Pereira para José Sócrates. Ao longo do próximo ano, poderá ser preciso reforçar a área da coordenação política com BE, PCP e PEV, que deverão começar a colocar mais pressão, e estão agora a ser geridos ou pelo primeiro-ministro ou, no Parlamento, pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos.

7. Dançar o tango com Marcelo

Marcelo Rebelo de Sousa, é sabido, olha para as funções presidenciais de uma forma interventiva. A face mais visível tem sido na relação com os portugueses, mas não o tem sido menos na relação política. Já deu recados, já fez avaliações jurídicas, já tomou posições mais assertivas antes de uma legislação lhe chegar às mãos e até fez uso do veto político a uma lei do Governo: a que permitia à Autoridade Tributária saber, uma vez por ano, o saldo de quem tem contas acima de 50 mil euros.

A reboque da popularidade, o Presidente ganha poder. E têm sido sonoras as exigências ao Executivo: sobretudo a necessidade de crescimento económico visível: "2016 e 2017 não são e nunca poderão ser 2011". A pressão por resultados económicos será cada vez mais sonora e Costa vai ter de ir gerindo a relação com o chefe de Estado. E se lhes vale a boa relação pessoal, essa será também um jogo de poder público. Marcelo já disse que não quer ser factor de instabilidade no "ciclo que vai até às autárquicas". 

8. Ir além do défice e fazer reformas à la Costa

"Emprego, emprego, emprego". Quem seguiu com atenção a campanha do socialista ouviu esta repetição como o primeiro e (quase) único objectivo de Costa. A economia até podia estar no centro das suas palavras, mas nestes primeiros meses de governação houve uma espécie de troca de papéis e o primeiro-ministro tem melhores números para o défice do que para a economia e isso é explicado em parte porque há investimento que não está a ser feito e isso... ajuda as contas públicas. Aliás, foi o próprio ministro do Planeamento, que tem em mãos os fundos estruturais que admitiu, em entrevista à Visão, que "se for necessário tomar medidas a nível de tesouraria" o Governo fará uso das "dotações para 2017". 

Para ir além do défice, o Governo promete aproveitar os fundos estruturais para fazer reformas. Ora, é neste jogo de escolhas que o próximo ano se vai desenrolar, até porque a justificação para que os fundos não estejam com uma boa execução tem sido a de que o Governo anterior não tinha deixado projectos preparados.

9. Linha aberta para o Canadá e Frankfurt

Mais um equilíbrio externo e interno, ou melhor dizendo, entre os mercados e o PCP e o BE. Costa sabe que tem de manter Portugal fora do radar negativo dos mercados financeiros e para isso agarra-se à bóia de salvação em que se transformou a agência canadiana de rating, DBRS, a qual garante a torneira do financiamento do BCE a correr. A agência canadiada é a única que mantém a avaliação acima de "lixo" e é essencial uma vez que o banco central apenas aceita comprar ou receber como garantia activos que tenham um rating acima de lixo.

Mas esta avaliação da agência só permanece enquanto o Governo for dando garantias. É certo que para a mais pequena das agências de rating é favorável manter esta posição em relação a Portugal, colocando-se no centro das atenções, mas só o conseguirá fazer enquanto (e se) não houver um clima propício à dúvida por parte das restantes.

Esta dificuldade casa com a tensão interna, com o PCP e o BE a defenderem uma renegociação da dívida, para aliviar os constrangimentos a algumas políticas, e Costa a remeter para a Europa uma solução.

Sugerir correcção
Comentar