A luta da vergonha

Espero não ser mal interpretado ao dizer que, no sentido do reconhecimento da situação e posterior intervenção, infelizmente, é socialmente aceite que uma mulher seja vítima de violência doméstica mas tal não acontece com um homem

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Isai Ramos/Unsplash

O anúncio da abertura da primeira casa abrigo para homens vítimas de violência doméstica levanta uma importante questão que deve ser levada em conta no caminho para a construção de uma sociedade mais equitativa e despida de preconceitos.

É notável a sensibilização e o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no combate à violência doméstica, reconhecendo, claro, que ainda há um longo caminho a percorrer. Queria, no entanto, realçar esta realidade que, creio, nos exigirá ainda mais esforço e sensibilização. Falo da violência doméstica no qual o homem é a vítima. Importa, primeiramente, olhar para as estatísticas, numa altura em que, desde 2013, segundo dados da APAV, no total, 1240 homens pediram ajuda por terem sido vítimas de violência doméstica, sendo que uma grande parte dos casos se deve a maus-tratos psicológicos. Esta situação é particularmente importante dado que se torna mais difícil de perceber e até de evidenciar que o homem está a sofrer de violência doméstica.

O medo e a vergonha

O medo e a vergonha são, para estas vítimas, a principal barreira para um primeiro pedido de ajuda, com o receio de serem desacreditados e humilhados perante uma sociedade que guarda ainda em si um pensamento de superioridade do homem face à mulher, onde até há pouco tempo estes casos de violência doméstica eram encarados como o reflexo de um país pouco desenvolvido — entretanto já se percebeu que estes acontecimentos saíram há muito tempo da esfera das classes sociais mais baixas — e no qual se considerava que “entre marido e mulher não se mete a colher”.

Espero não ser mal interpretado ao dizer que, no sentido do reconhecimento da situação e posterior intervenção, infelizmente, é socialmente aceite que uma mulher seja vítima de violência doméstica mas tal não acontece com um homem. Uma situação que exemplifica esta situação acontece quando ocorrem relatos de homens que são gozados ao dirigirem-se a postos de polícias para denunciarem que estão a ser vítimas de violência doméstica. Existe ainda o estigma de que “homem que é homem não se deixa agredir pela mulher”, quando, e como disse anteriormente, uma grande parte das agressões são de carácter psicológico.

Se, felizmente, temos dado passos importantes na actuação e sensibilização para este crime face às mulheres — não deixando de referir que estas continuam a ser as mais afectadas por este flagelo onde em cada dez casos, nove se reportam a vítimas do sexo feminino — só atingiremos uma verdadeira evolução quando tal acontecer também com os homens vítimas, porque quando aí chegarmos, teremos então garantido que ninguém, seja homem ou mulher, fica impedido de pedir ajuda por vergonha ou por medo.

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