Na segunda edição o Folio cresceu, mas tem duas visões opostas para o futuro

Na sua segunda edição, o Folio teve mais eventos e mais espectadores. Mas duas visões, uma elitista, outra massificadora, parecem estar em confronto quanto ao futuro do festival literário de Óbidos.

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Em Óbidos, actualmente, só se fala de livros e de escritores, tal como há poucos anos só se falava de chocolate e ginginha. Nuno Ferreira Santos
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“As pessoas sentem que fazem parte disto”, disse Julita Santos, a produtora do Folio, que terminou ontem em Óbidos. “Nunca tinha visto um evento em que os convidados fazem parte da equipa”.

A ideia emerge em todas as entrevistas: o Folio tem alma. Se não tem, devia ter, é a conclusão óbvia de quem visitou o Festival Literário Internacional de Óbidos - uma vila medieval bem preservada transformada em festa do livro é um projecto desenhado para despertar paixão.

Houve lotações esgotadas nos grandes momentos, como as palestras de Salman Rushdie ou V. S. Naipaul, mas salas compostas em quase todas as sessões, apesar da opção (que é para manter, segundo o autarca Humberto da Silva Marques) de encher o programa com eventos simultâneos, alguns não literários, nos 11 dias do festival.

Na Câmara Municipal sentia-se a euforia. A vereadora da Cultura, Celeste Afonso, vive a realização de um sonho pessoal. “Esta atmosfera que se criou existe o ano todo”, disse ela. “Não faz sentido medir apenas o êxito do Folio, mas o da Vila Literária”.

O presidente completou a tese: “O Folio é a cabeça do projecto de estratégia de Óbidos. E a Vila Literária é o centro dessa estratégia municipal”. Porque toda a actividade económica da região estará atrelada à locomotiva das letras, acredita ele, rabiscando num papel um esquema de falanstérios em círculos, com ressonâncias de Fourier, Campanella ou Thomas More, de cuja obra A Utopia o Folio comemora este ano o V centenário. “Cada vez me sinto mais anarquista, apesar de ser um homem de direita”, disse o autarca eleito pelo PDS.

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José Pinho, um dos curadores do Folio Rui Gaudêncio

Em Óbidos, actualmente, só se fala de livros e de escritores, tal como há poucos anos só se falava de chocolate e ginginha. Mas essa linha estratégica mais popular não resultou, consideram os autarcas. “O público do Festival do Chocolate não ficava ligado à cidade”, disse Humberto.

A Câmara definiu então um novo método para atrair investidores e habitantes, fazer crescer a economia do município. Começou a comprar edifícios para recuperar. Mas eis que de repente, em 2011, surgiu na vila um “louco” chamado José Pinho, fundador da livraria Ler Devagar, em Lisboa, com a ideia de transformar, primeiro, uma igreja numa livraria, depois um mercado. Fazer de Óbidos uma “cidade do livro”, ou “vila literária”. “Por cada livraria que fechar no país, vamos abrir uma em Óbidos”, dizia Pinho.

Os dois projectos casaram-se por amor e por interesse, multiplicaram-se as livrarias e nasceu o Folio. “Numa folha de Excel, o empreendimento ainda não é lucrativo”, admite o presidente. Talvez nunca o venha a ser. Mas isso é uma visão restritiva. A Cultura não tem de trazer resultados imediatos”.

O retorno chegará das formas menos evidentes. Por exemplo, o lançamento do livro 20 Oliveiras servirá para lançar o azeite de Óbidos. “Nunca ninguém tinha pensado vender azeite em forma de livro”, explicou Humberto.

Para os autarcas, um pouco assustados com o êxito incontrolável do festival do chocolate, o Folio e a Vila Literária devem ser marcados pelo prestígio e um certo cunho erudito da cultura. Não estão interessados em atrair mais espectadores, mas “investidores e talentos” de longo prazo. A perspectiva da massificação assusta a vereadora Celeste Afonso, que se oporia pessoalmente se, por exemplo, um gigante como a Fnac se quisesse instalar em Óbidos.

A visão é consonante com a dos curadores escolhidos para os vários “capítulos” do festival - Folia, Folio Autores, Folio Educa, Folio Ilustra e Folio Mais.

A jornalista Anabela Mota Ribeiro, curadora da Folia, que inclui concertos, exposições, cinema, conversas, leituras, performances e aulas, acredita que eventos mais populares e apelativos atraem público para outros. Por exemplo para as aulas, de Eduardo Lourenço ou Helder Macedo, que tiveram lotações esgotadas (150 pessoas). “Mais do que numa aula normal de uma universidade”, disse Anabela.

Teve a ideia de organizar aulas porque, ao voltar recentemente à faculdade, para fazer um mestrado, imaginou que esse “privilégio” e “prazer de aprender” podia ser proporcionado a uma população mais alargada. “Tive de convencer os meus interlocutores na equipa que uma aula é divertimento”.

O escritor José Eduardo Agualusa, curador do Folio Autores, explicou que tentou misturar autores famosos com outros menos conhecidos, para que uns levassem ao conhecimento dos outros. “A mesa ideal é a que junta um grande autor com outro, que é ali revelado”.

Nesta lógica, Agualusa não se importa que, em próximas edições, sejam convidados autores mais populares.

Para José Pinho, curador do Folio Mais e coordenador do festival, a Vila Literária de Óbidos deveria ser massificada, sem distinção entre cultura erudita e popular. “Quero reunir aqui toda a gente que escreve em Portugal”. E multiplicar os eventos não estritamente literários. Este ano, trouxe duas britânicas para explicarem “remédios literários”, um “massagista literário”, etc. E a duração do festival deveria ser ainda maior. “Porque eu preciso de vender livros”. A solução é que, para o ano, não haverá um festival, mas quatro. Um sobre literatura de viagens, em Abril, chamado Latitudes, outro sobre poesia e erotismo, em Junho, e ainda outro de ilustração e BD.

A ideia é que o Folio e a Vila Literária de Óbidos cresçam e se transformem no centro literário do país, o que acontecerá enquanto os interesses se conciliarem - o de colar Óbidos ao escol cultural lisboeta, da parte dos autarcas; o de descolar os livros das minorias literatas, da parte de José Pinho. E enquanto se mantiver a paixão.

O PÚBLICO esteve em Óbidos a convite do Folio

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