Dono da Peugeot transforma-se em fornecedor de serviços de mobilidade

Grupo PSA liderado pelo português Carlos Tavares não vai abandonar a produção automóvel mas vai apostar em plataformas de car sharing e sistemas inteligentes de conectividade

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Carlos Tavares, presidente executivo do grupo PSA, apresentou uma nova área de negócio na área dos serviços de mobilidade Christian Hartmann/Reuters

Há três anos, o grupo PSA, detentor das marcas Peugeot, Citroën e DS, viveu “uma experiência de quase morte”. Segundo Carlos Tavares, o CEO português do gigante automóvel francês, o momento financeiro mais crítico da história da empresa obrigou-a a reponderar tudo. Ultrapassada a crise, começa agora a ser implementado um plano quinquenal para “preparar a empresa para o futuro”. Esta quarta-feira, em Paris, o grupo anunciou os primeiros passos concretos de uma estratégia que transformará o que, até agora, era apenas um construtor automóvel, numa empresa que, para além de fabricar viaturas, vai prestar serviços de mobilidade sob uma nova marca, a Free2Move, que será comercializada a partir do início de 2017.

Na prática, e em conjugação com um ecossistema de empresas parceiras e de startups, a PSA irá comercializar o acesso a plataformas de car sharing que, através dos avanços da conectividade e do big data, permitem funcionalidades como a navegação, a gestão e pagamento do estacionamento, alertas automáticos para serviços de socorro em caso de acidente e, num futuro próximo, a condução autónoma (em Paris, o PÚBLICO assistiu à demonstração de um veículo autónomo da Citroën). Será ainda possível aos proprietários de veículos Peugeot, Citroën ou DS suportarem parte dos custos da aquisição das viaturas cedendo-as a plataformas de car sharing, rentabilizando automóveis que, de outro modo, estão parados a maior parte do dia.

O anúncio foi feito numa cidade onde é visível uma grande oferta e também procura de soluções de mobilidade, desde sistemas concorrentes de car sharing, operados com recurso a veículos eléctricos, a redes públicas de bicicletas. É uma realidade que contrasta com Portugal, onde o recurso a estes serviços e à mobilidade eléctrica ainda é residual. Questionado pelo PÚBLICO sobre o risco de a indústria dar um passo à frente do mercado, Tavares reconhece que “a evolução não é igual em todos os países ou sequer em todas as regiões de França” mas aponta para a sustentação da estratégia do grupo em dois pilares: “ser o mais eficiente construtor de automóveis” e “o fornecedor favorito de soluções de mobilidade”.

“Estou muito seguro de que as necessidades de mobilidade vão continuar a crescer muito rapidamente. O ser humano vai requerer mais e mais soluções de mobilidade, e nós teremos de ter respostas para estas necessidades”, disse Tavares. O CEO da PSA indicou ainda que essas soluções não se limitarão ao contexto urbano, reivindicando o “combate ao isolamento” das populações rurais como um dos objectivos sociais da estratégia. “Não nos esqueçamos que 65% dos idosos vivem em áreas rurais ou semi-urbanas e que, destes, 25% não se deslocam durante a semana”, disse, afirmando ainda que “28% da população activa perdeu uma oportunidade de trabalho por não ter meios de transporte”.

Tavares disse ainda acreditar que a aposta na prestação de serviços não resultará numa quebra da produção de automóveis. “Precisamos de sustentar o desenvolvimento da mobilidade com o fornecimento de devices (veículos)”, afirmou, admitindo até um aumento da produção . “Não há uma contradição, há uma oportunidade”, defendeu.

Sublinhando a aposta global do grupo, que recentemente inaugurou a quinta fábrica na China, o gestor português disse aos jornalistas presentes em Paris que a empresa tem respostas diferentes para vários mercados: “Se a Europa quer carros eléctricos, não há problema, nós fornecemos. Se os Estados Unidos querem motores a gasolina cada vez mais eficientes, não há problema, nós temos essa tecnologia. Se outras regiões querem motores diesel, nós temos”.

Em relação aos próximos modelos eléctricos, a PSA antevê autonomias de 450 quilómetros e tempos de carregamento de baterias de 30 minutos, e aposta na complementaridade com produtos como a nova trotinete eléctrica e-Kick, que recarregará na bagageira do novo Peugeot 3008.

A referência de Tavares à América do Norte explica-se com a entrada, anunciada também esta quarta-feira, da PSA no capital da Communauto, uma empresa canadiana de car sharing com forte implantação em Montreal e na restante província do Quebeque. O investimento visa a partilha de tecnologia mas também a internacionalização daquela rede, que já está presente em Paris.

Para além da Communauto, a rede francesa Bolloré também passa a estar incluída do naipe de parcerias da PSA na área do car sharing, com a utilização futura de veículos eléctricos Citroën C-Zéro nas suas plataformas de partilha em Lyon e Bordéus.

Recentemente, a PSA tinha adquirido posições em duas startups da área, a Koolicar e a TravelCar, e firmado uma parceria com a IBM para o desenvolvimento de redes de mobilidade em Nice e na Bélgica.

Em relação a Portugal, há planos para a entrada da PSA no mercado das redes de mobilidade, mas ainda não existem datas. No entanto, outra empresa parceira do grupo, a Tymate, centrada no desenvolvimento de soluções de conectividade, estará presente na Web Summit de Lisboa, em Novembro, e o CEO Marc-Antoine Navrez revelou ao PÚBLICO a intenção de abrir uma representação em Portugal.

O PÚBLICO viajou a convite do grupo PSA 

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