As próximas eleições americanas

De quatro em quatro anos, os cidadãos dos EUA vão às urnas para escolher um novo Presidente ou reconduzi-lo para um segundo mandato (máximo, oito anos). São estas as eleições mais importantes do país, uma vez que o sistema de governo é presidencialista: eleger um Presidente é, simultaneamente, escolher um chefe do Governo, com um plano de ação para quatro anos.

Por isso, cada candidato apresenta-se com o seu programa de governo, sobressaindo nos debates da campanha as questões de segurança nacional (política externa e defesa) e os objetivos da política económica e social.

Durante as primeiras décadas, era difícil caracterizar ideologicamente os dois grandes partidos — republicano e democrata. Com o Presidente Reagan (1981-89), muito apoiado pela primeira-ministra britânica Margaret Thatcher (1979-90), o Partido Republicano — tal como os conservadores ingleses — virou fortemente à direita, inspirado na doutrina neoliberal de Hayek (austríaco) e de Milton Friedman (norte-americano): desregulação, privatizações e redução do Estado social. A defesa deste, bem como da função reguladora do Estado, ficaram quase só nas mãos do partido democrata (Kennedy, Johnson, Obama).

Nas eleições atualmente em curso, os democratas apresentam Hillary Clinton com um programa moderado, mas os republicanos foram conquistados pela direita radical, organizada a partir do Movimento Tea Party, e acabaram por se render ao populismo demagógico de Donald Trump, um homem de negócios de reputação algo duvidosa. Tem-se afirmado como político duro, muito nacionalista, anti-imigrantes, anti-muçulmano, e de falas grosseiras. A sua popularidade cresceu depressa na exata proporção das suas frases mais radicais: “vou construir um muro na fronteira com o México”, “todos os muçulmanos serão expulsos”, “os eternos conflitos do Médio Oriente resolvem-se com duas ou três bombas atómicas”, etc..

Este homem é, em minha opinião, um perigo público — quer para a democracia americana, quer para a paz no mundo. Mas há quem lhe dê o benefício da dúvida: “ele quer conquistar votos, mas se for eleito vai ser um Presidente moderado”. Será assim?

O povo norte-americano está confuso e zangado. A classe média sofreu com a crise económica de 2008 e anos seguintes, tem dificuldades para arranjar casa e emprego, receia a concorrência de outras grandes potências económicas (quer já antigas, como a Europa e o Japão, quer mais novas, como a China, a Índia ou o Brasil). Estão com medo do futuro: por isso tantos alinham com Trump, que lhes promete (mentindo) que a América vai voltar a ser a maior e a melhor, pondo os outros países na ordem.

Desenganem-se os que esperam, após o radicalismo eleitoral, um Trump moderado: só atua com moderação quem é moderado por natureza; e ele tem visto que quanto mais se excede na linguagem, mais sobe nas sondagens. Porque havia de ser um Presidente moderado se só tivesse chegado à Casa Branca com promessas e atitudes radicais?

Não esqueçamos o que se passou com Hitler: escreveu um livro radical, a dizer todas as enormidades que faria se fosse eleito; os alemães não acreditaram que falasse a sério, e elegeram-no. Seguiram-se 12 anos de terror.

Trump não tem medo das palavras: diz tudo o que pensa; e sabe que é com o radicalismo que pode ganhar, num país que se sente ameaçado e duvida de si próprio. Esse é o grande trunfo do candidato republicano.

Do outro lado, Clinton — mulher inteligente e capaz — surge bastante desgastada e não traz grandes novidades. Por isso a sua eleição não é certa. O que metade dos americanos (e mais um, esperemos) verdadeiramente deseja não é tanto eleger Clinton, como derrotar Trump. Oxalá o consigam. Mas nada está garantido.

Diogo Freitas do Amaral foi presidente da Assembleia Geral da ONU entre 1995-96. Escreve segundo o acordo ortográfico.

 

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