Transferidos 1300 milhões de Portugal para offshores nas Baamas em cinco anos

Baamas surgem no pódio dos paraísos fiscais que mais atraem rendimentos oriundos de Portugal, mas outros destinos têm vindo a ser escolhidos nos últimos anos.

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As Baamas não tributam rendimentos empresariais, mais-valias e capitais Nuno Ferreira Santos

Já não são o paraíso dos paraísos fiscais, mas estão lá perto. As Baamas foram o terceiro território do mundo com contas offshore para onde mais dinheiro foi transferido a partir de Portugal, em termos acumulados de 2010 a 2014. Ao longo destes cinco anos, saíram do país para contas sediadas neste arquipélago das Caraíbas cerca de 1300 milhões de euros. Mais concretamente: 1.295.175.423 de euros. À frente, só Hong Kong e o Panamá.

Depois dos Panama Papers, outro território da América Central está no centro de novas revelações do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), desta vez as Baamas, ao ser divulgada informação sobre contas ali associadas desde 1990.

Uma análise aos dados compilados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) portuguesa com base em informação reportada pelos bancos permite concluir que as Baamas concentraram 13% do valor transferido de Portugal de 2010 e 2014. Os números dizem respeito a valores enviados por empresas e pessoas em nome individual, mas não estão dados por tipo de activos transferidos.

As jurisdições fiscais mais usadas ao longo daquele período foram Hong Kong, o destino de 2367 milhões de euros, e o Panamá, com um valor próximo ao das Baamas, cerca de 1301 milhões de euros. Ao todo, saíram de Portugal para offshores 10.221 milhões de euros ao longo destes anos, num total de 59 territórios. E Hong Kong, Panamá e Baamas, os três principais destinos, concentram quase metade do valor conhecido pela administração fiscal.

Este é o retrato tendo em conta a soma das transferências de 2010 a 2014. Mas olhando individualmente para cada um dos anos, as Baamas nem sempre surgem nos primeiros lugares; aparecem no topo sobretudo por causa do grande volume de rendimentos que ali colocados em 2011 (mil milhões de euros), porque entretanto destinos até então menos habituais, como os Emiratos Árabes Unidos, Uruguai, Porto Rico, Andorra, Bolívia, Guernsey ou Gibraltar, captaram mais rendimentos. Em 2012 e 2013, as Baamas foram a quinta jurisdição de destino e em 2014 já surgia em 16.ª.

Os valores para ali transferidos têm oscilado bastante – houve um pico muito significativo em 2011, ano em que a crise na zona euro se agudizou, mas nos anos seguintes há uma diferença significativa. Veja-se a sucessão de transferências para as Baamas: depois de 136,6 milhões em 2010, o valor dispara para 1024 milhões em 2011, caindo para 69,3 milhões no ano seguinte, para 61,8 milhões em 2013, voltando a baixar de patamar até aos 2,7 milhões em 2014.

O arquipélago centro-americano é um dos paraísos conhecidos por não tributar rendimentos empresariais, mais-valias e capitais. Com a pressão internacional, nomeadamente do G20, na luta pela transparência fiscal e contra os fluxos financeiros ilícitos, várias jurisdições começaram a aceitar mecanismos de troca de informações fiscais, mas nem sempre pondo no terreno rapidamente essas medidas. No caso das Baamas, o compromisso assumido é o de implementar as primeiras medidas para a troca de informação com outros países em 2018, um ano depois de Portugal.

800 transferências

Há um dado que sobressai em relação às Baamas comparando este paraíso fiscal com outros principais destinos. O número de transferências oriundas de Portugal é menor do que as que chegam a Hong Kong ou ao Panamá, mas o valor envolvido é proporcionalmente superior. As Baamas são o país onde o valor médio por transferência é mais elevado, de 8,3 milhões cada (tendo como referência o período total de 2010 a 2014).

Ao todo, nos cinco anos, realizaram-se 824 transferências para as Baamas, quando para Hong King houve 20.509, para o Panamá 1826 ou para os Emirados Árabes Unidos 5649.

Nos últimos anos, a única informação disponível cingia-se às estatísticas de 2009. Só este ano é que foi possível ter um retrato mais abrangente, mas sempre limitado, de quanto é transferido por empresas e pessoas em nome individual. Os dados deveriam ter sido divulgados anualmente desde 2010 pelo Ministério das Finanças mas o anterior Governo não os publicou, informação que só foi revelada este ano pelo actual executivo, depois da publicação das notícias do caso Panama Papers.

Os dados em causa, publicados no Portal das Finanças, baseiam-se na informação comunicada pelos bancos ao fisco, ao abrigo da Declaração Modelo 38, que obriga as instituições financeiras a enviarem, por transmissão electrónica, dados sobre estas transferências.

Com as primeiras revelações dos “Bahamas Leaks”, as ondas de choque chegaram a Bruxelas com a notícia de que Neelie Kroes, antiga comissária da Concorrência (2004-2009) e Agenda Digital (2010-2014), surge referida nos documentos como tendo sido directora de uma sociedade offshore sediada nas Baamas.

A Kroes, o actual presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, enviou uma carta a pedir “clarificações” sobre informações até agora desconhecidas, confirmou Margaritis Schinas, porta-voz do executivo comunitário.

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