Ele é responsável pelo design de tudo o que seja Star Wars

Por que é que A Guerra das Estrelas é um fenómeno? O designer de produção de Rogue One, o próximo filme da saga, está em Tróia a pregar aos convertidos.

Arte conceptual para <i>O Despertar da Força</i>
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Arte conceptual para O Despertar da Força Doug Chiang
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Esboço de 1995 para Star Wars - A Ameaça Fantasma Doug Chiang
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Robota é um romance ilustrado de Chiang e Orson Scott Card Doug Chiang
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Doug Chiang

Por estes dias, Tróia parece uma convenção de Óscares, daqueles com menos visibilidade, mas que criam sonhos em rapazinhos de Taiwan como Doug Chiang. Hoje vice-presidente da Lucasfilm, cria, aprova ou veta o design de tudo o que seja Star Wars, além de ser designer de produção do próximo filme, Rogue One. Tem um Óscar, mas tem sobretudo “George” — Lucas, claro — e é do que aprendeu numa carreira moldada e numa vida transformada por essa figura tutelar que vai falar esta quinta-feira no festival Trojan Horse Was an Unicorn (THU).

Doug Chiang, de 54 anos, vai pregar não uma, mas duas vezes aos convertidos. Ou seja, aos cerca de 600 colegas e aspirantes a isso que compõem a assistência do THU, que decorre em Tróia até sábado. Chega apoiado na experiência que lhe deu um Óscar de Efeitos Visuais, mas sobretudo no que aprendeu com Star Wars, na trilogia das "prequelas" (1999-2005) e nos novos filmes da saga — foi concept artist do Episódio VII, funções que cumpriu também em Ataque dos Clones ou Guerra dos Mundos. O Episódio VII, O Despertar da Força, fez 1,8 mil milhões de euros nos cinemas de todo o mundo, é o 3.º filme mais rentável da história.

Reportagem no THU: Eles desenham os filmes e jogos que devoramos mas nós não sabemos

Em Tróia, passa uma T-shirt de Regresso ao Futuro de Robert Zemeckis e pensamos que Chiang trabalhou com ele como designer de produção em Beowulf, Polar Express ou Um Conto de Natal, e como director de arte de efeitos visuais em A Morte Fica-vos Tão Bem, que lhe deu o Óscar. No THU, Chiang, autor de vários livros e romances ilustrados e fundador do seu próprio pequeno estúdio, vai falar do seu trabalho: “Interpretar o que o realizador tem em mente e o argumentista tem na página e transformar isso em elementos visuais e cenários físicos, criar a sua realidade. Seja em cenários, encontrar locais reais ou recriar ambientes digitais. Em Star Wars”, diz ao PÚBLICO, “é como trabalhar com um quadro a óleo digital em grande escala. As coisas podem mudar constantemente”.

Partirá de Portugal para a pós-produção de Rogue One, o primeiro filme independente dos sete filmes já existentes, mais um capítulo no que continua a ser cumprir um sonho de criança. Nada revela sobre que velhos conhecidos poderão aparecer no novo filme e sugere os trailers para os fãs “juntarem as peças – mas a surpresa vai valer a pena”.

As suas palestras são 11 Anos a Desenhar Filmes Star Wars e 30 Anos a Trabalhar em Film Design. Mas é justo dizer que Star Wars domina a sua carreira?

Absolutamente. Quando vi A Guerra das Estrelas aos 15 anos, transformou-me. Fez-me perceber que queria trabalhar em film design e foi por isso que fui para a Califórnia estudar Cinema na UCLA. Comecei a trabalhar na ILM, a empresa de efeitos visuais de George Lucas, e foi um sonho tornado realidade como artista. Estava a trabalhar com todos os meus heróis — [os concept artists] Ralph McQuarrie, Joe Johnston. E, em 1995, tudo mudou quando George anunciou que ia fazer mais filmes Star Wars. Fiquei surpreendido e chocado por ele me escolher para chefiar o departamento de arte da nova trilogia. Esses sete anos que trabalhei com George Lucas transformaram-me completamente. Tornou-se a minha escola de artes e de cinema. O que aprendi com ele aplicou-se a todos os filmes em que trabalhei. E agora, 11 anos mais tarde, pude voltar e desenhar Star Wars outra vez.

Com tal imersão nesse mundo, o que acha que explica o fenómeno Star Wars e como é que a sua área de trabalho contribui para ele?

Star Wars interpela-nos a muitos níveis. As personagens são maravilhosas, o drama humano das histórias é muito poderoso e George nunca o considerou um filme de ficção científica, mas sim um drama familiar. E é ainda mais universal quando percebemos que, tirando as naves e os mundos todos, funciona à mesma muito bem. Como um miúdo de 15 anos, foi o que me atingiu primeiro — George criou um mundo fantástico para seduzir a mente e a imaginação e depois contou uma história muito atractiva. Agora, como adulto, gosto muito de expandir o universo do George. Criar mundos exóticos é como um filme estrangeiro: podemos não perceber o que vemos em segundo plano, mas inferimos que tudo faz sentido. É o nosso objectivo como designers, criar um mundo coeso que pareça credível e real.

Quais são os seus elementos favoritos do vocabulário visual de Star Wars?

Para mim, é tudo centrado em ver o mundo através da perspectiva de uma criança: o mundo como um lugar onde tudo é fantástico. Tentar capturar essa essência nos adultos é o desafio para mim, e o motivo pelo qual acho Star Wars tão atraente é que estamos a fazer isso todos os dias. No design de produção, temos de encontrar aquele componente novo que traz frescura. E, muitas vezes, resume-se à simplicidade. Ao desenhar um planeta, não é preciso reinventar tudo. Não podemos redesenhar a mãe natureza. A chave é combinar novos elementos, dar-lhes um twist, e o que se obtém é alicerçado na realidade, mas com 10 a 20% de algo novo.

Mas não há paisagens, dróides ou naves pelas quais tenha mais afecto, enquanto fã ou profissional?

Sim, o planeta de Hoth — cresci no Michigan, onde temos Invernos longos e frios, adoro neve e paisagens nevadas. E em O Império Contra-Ataca a paisagem era muito familiar, mas George pôs lá aqueles walkers [os AT-AT] espantosos, máquinas de guerra que caminhavam na neve. Quando era miúdo, isso disse-me tanto... Era a imagem mais espectacular que tinha visto.

E agora é designer de produção em Rogue One. Procuram a continuidade ou a diferenciação visual em relação aos outros filmes?

Não posso falar muito de Rogue One, mas como filosofia geral tentamos ser o mais verdadeiros possível à visão de George deste universo. Isso está sempre presente quando desenhamos elementos novos para os novos filmes, se são fiéis ao legado que George desenvolveu. Onde está a linha fina entre o que é Star Wars e não é? Há limitações e temos de definir essa fronteira — quanto mais nos aproximamos dela, mais arrojadas são as ideias e melhores serão os filmes.

O cânone, e também o visual, é central neste universo — essas fronteiras não são limitadoras à medida que há cada vez mais filmes da saga?

Não acho que seja restritivo, de modo algum; o universo é bastante vasto. Há certas directivas e experiências que tive trabalhando com George que me permitem saber quais são essas regras. Mas também gosto de as quebrar, porque George sempre o encorajou — podemos sempre tropeçar numa óptima ideia. A chave é encontrar uma maneira de a encaixar no universo. O design de Star Wars ainda tem muito por onde explorar.

Rogue One é uma nova experiência — o primeiro filme não focado na família Skywalker. Quais são as vossas expectativas — poderá ser tão grande como O Despertar da Força?

Não sei, nem sequer quero tentar adivinhar. Eu sei que vou gostar porque estamos a fazer estes filmes para fãs como eu, mas é difícil prever…

 

[Após a entrevista, o presidente da Disney, que detém a Lucasfilm, disse à imprensa: "Nunca esperámos que fizesse [dinheiro] ao nível de Despertar da Força", mas acrescentou que avaliaram "o nível de interesse" dos fãs no novo filme como "tão elevado como foi" para o filme de 2015.]

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