Jornal espanhol reabre polémica sobre as ilhas Selvagens

Jornal ABC diz que a instalação de uma estação meteorológica é a “uma fronteira virtual camuflada” que pode colidir com os interesses da pesca das Canárias.

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Selvagem Grande DR

O jornal espanhol ABC voltou nesta segunda-feira a abrir a polémica sobre a classificação jurídico-geográfica das ilhas Selvagens, num artigo em que é afirmado que a instalação, em Agosto deste ano, de uma estação meteorológica na ilha grande é “uma fronteira virtual camuflada”.

O artigo diz ainda que “Espanha receia” que os dados recolhidos pela estação meteorológica em território marítimo espanhol “possa colidir com os interesses pesqueiros das Canárias”.  

Localizadas a 82 milhas a norte do arquipélago das Canárias e a 163 milhas a sul da ilha da Madeira, as Selvagens são objecto de uma disputa entre Portugal e Espanha que remonta ao século XV, mas que se agudizou já neste século, quando a questão do alargamento da plataforma continental foi colocada.

Em causa, não está a propriedade daquele arquipélago, que os espanhóis reconheceram, em 1938, pertencer a Portugal, mas sim a classificação jurídico-geográfica das ilhas. Madrid argumenta que não são habitadas nem têm actividade económica, e que, como tal, de acordo com o Direito Marítimo, devem ser consideradas rochedos – o que pode influenciar as pretensões de Portugal de alargar naquela região a sua plataforma continental até às 350 milhas.

O título do artigo, assinado pelo jornalista José Luis Jeménez, mostra que, para alguns sectores em Espanha, a polémica ainda está viva: “Portugal monta uma base numa ilha rodeada por águas espanholas.”

O texto relembra velhas máximas espanholas sobre a matéria, como afirmar que “as Selvagens formam um arquipélago desabitado entre as Canárias e a Madeira que Portugal comprou a um banqueiro em 1971”, acrescentando que “Espanha nunca reconheceu oficialmente aquela operação”.

A notícia revela que, final do mês de Agosto, as autoridades lusas, através da Secretaria do Ambiente e Recursos Naturais, instalaram uma estação meteorológica automática na maior ilha do arquipélago. E elenca as suas potencialidades: “Dispõem de sensores para a observação da pressão atmosférica, da temperatura da água e da humidade relativa, bem como da intensidade e direcção do vento. Têm detector de precipitação, radiação solar, temperatura do ar e do solo até dez centímetros de profundidade. Este Verão recebeu a visita do Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa.”

O texto lembra que a posição portuguesa defende que a estação visa controlar de maneira mais efectiva a meteorologia no extremo sul do território e assim alcançar mais segurança para pessoas e bens. Porém, o jornalista diz que “o facto é que a Polícia Marítima, a Força Aérea e a Armada de Portugal tem agora a missão de controlar todas as actividades relacionadas com o transporte e as actividades de pesca”.

“Pouco a pouco Portugal vai dotando as Ilhas Selvagens de um controlo tecnológico para uso efectivo da informação sobre o arquipélago”, diz ainda o texto.

Uma longa batalha

A pretensão portuguesa de extensão da plataforma continental colide com a espanhola, exactamente numa parte daquela zona, a oeste das Selvagens, segundo os projectos de extensão das respectivas plataformas continentais submetidos por Portugal e Espanha às Nações Unidas. Espanha pretende prolongar o domínio marítimo 150 milhas além da Zona Económica Exclusiva (ZEE) das Canárias, o que entra na plataforma continental reclamada por Lisboa.

Depois de vários episódios no final do século XX envolvendo voos a baixa altitude de caças da Força Aérea Espanhola e a simulação de aterragem de um helicóptero militar na Selvagem Grande, que motivaram a chamada do embaixador espanhol ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e o consequente pedido de desculpas de Madrid, o diferendo sobre as Ilhas Selvagens passou para o plano diplomático.

Em Julho de 2013, numa reacção à visita de Cavaco Silva ao arquipélago, a Missão Permanente de Espanha junto das Nações Unidas, entregou uma nota na Divisão de Assuntos Oceânicos e Direito do Mar, na qual reiterou que as Selvagens devem ser classificadas como rochedos, que, como tal, não podem ser geradores de ZEE.

O documento, que só foi tornado público mais de um mês depois, defende que, como rochedos, as Selvagens apenas têm direito a mar territorial (12 milhas), o que implicaria a redução do domínio marítimo nacional da ZEE em torno daquele arquipélago de 41 milhas (metade da distância entre as Selvagens e as Canárias) para 12 milhas.

É uma visão rejeitada por Lisboa. O principal argumento português é o de que as ilhas, que são uma Reserva Natural desde 1971, são habitadas permanentemente por pelo menos dois vigilantes da natureza, que são rendidos a cada 15 dias. E esta população mais do que duplicou em Agosto deste ano, com a colocação, em permanência, de dois agentes da Polícia Marítima e de um elemento da Capitania do Funchal.

Quando Marcelo Rebelo de Sousa visitou as ilhas, também em Agosto, tentou não colocar o diferendo em primeiro plano, mas afirmou que "aonde o Presidente da República vai, marca território”.

“Existem novos argumentos de Portugal sobre a extensão da plataforma continental e é importante conhecê-los”, explicou ainda, garantindo não estar preocupado com o entendimento que Madrid tem sobre aquele território: “Do lado espanhol, a partir de 2015, há sinais muito simpáticos sobre as pretensões portuguesas de extensão da plataforma continental.”

Cavaco Silva, Jorge Sampaio e Mário Soares também visitaram as ilhas durante os seus mandatos presidenciais.

A informação publicada no ABC, diário de tendência monárquica, surge depois de o El País ter divulgado este domingo um relatório do Ministério dos Assuntos Exteriores de Espanha sobre os custos para a diplomacia de Madrid da inexistência de um Governo em funções. Naquele documento, os diplomatas revelavam a ausência do seu país em fóruns importantes, destacando, entre outros, a não ratificação do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, a suspensão de várias visitas do Rei ou o adiamento das cimeiras bilaterais com o México, Turquia, Marrocos, Argélia, França, Itália, Alemanha e Portugal.

Com Nuno Ribeiro

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