Barroso à imagem da UE

Qual é o problema de ex-titulares de cargos de decisão política seguirem as suas carreiras profissionais como e onde mais lhes convier?

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Jean-Marc Loos/Reuters

Depois de Maria Luís Albuquerque, voltamos este Verão a ver um militante do Partido Social Democrata a passar a porta que nunca para de girar entre o poder político e a alta finança. A contratação de Durão Barroso pela Goldman Sachs (GS) deixou-o de baixo de uma chuva de críticas, até agora 203 mil pessoas assinaram petições exigindo regras mais restritivas sobre as carreiras de ex-comissários europeus . Mas qual é o problema de ex-titulares de cargos de decisão política seguirem as suas carreiras profissionais como e onde mais lhes convier?

Bom, para o PSD parece não haver problema. Recordemos como Passos Coelho ficou orgulhoso do valor de Maria Luís Albuquerque “ser reconhecido por uma empresa importante" a propósito da lucrativa relação entre a ex-ministra das finanças e um fundo que especula sobre dívidas soberanas, ou do “espetáculo que não abona nada em favor das instituições europeias” que Luís Montenegro viu na retirada de mordomias pela Comissão Europeia (CE) a Durão Barroso. Mas, para quem nunca teve nem pretende ter a sua carreira profissional agenciada por partidos e pelo poder político, a promiscuidade entre o poder económico-financeiro e o político é um perigo óbvio para a sociedade e para a democracia. A este propósito, sintetizo aqui duas das principais razões para nos preocuparmos com o novo emprego de Durão Barroso.

1. Privilégio para o setor financeiro no processo do Brexit. A GS, em conjunto com outros 4 mega-bancos de investimento, aliou-se ao governo britânico para assegurar que Londres continue o centro financeiro internacional que é. É óbvio que a lista de contatos que Durão Barroso criou enquanto presidente da CE será muito útil à GS para condicionar o processo do Brexit, assegurar que as condições para atividades especulativas perdurem e que, no fundo, o processo de desvinculação do Reino Unido da UE seja feita com os interesses do setor financeiro em primeiro plano.

2. Menor capacidade regulatória sobre o sistema financeiro. É sabida a aversão da banca de investimento à regulação. Ora quando a GS, paladina da desregulamentação dos mercados financeiros e fundamentalista da livre circulação de capitais, conta nas suas hostes com o presidente da CE que participou no desenhou e na negociação da estrutura da regulação na Europa, passa a conhecer com detalhe cada ponto fraco dessa regulação. Por exemplo, em 2013 a CE, na altura presidida pelo senhor Barroso, propôs a criação de uma taxa comunitária sobre transações financeiras, proposta essa que tarda em ser introduzida.

Com Barroso como administrador, a GS passa a conhecer os meandros da negociação deste imposto e pode eventualmente bloquear a sua instituição caso a discussão da sua aprovação ganhe força. Uma Europa que pune os seus cidadãos com austeridade e empobrecimento em resposta à crise financeira, e premeia os seus dirigentes com enormes remunerações nas grandes corporações que nos conduziram a esta crise é uma Europa disfuncional e sem futuro. Se julgamos que ainda vamos a tempo de a curar desta perversão, é preciso acabar com as portas giratórias, aumentando o período de nojo em que um ex-dirigente da UE não possa trabalhar para empresas privadas de setores estratégicos ou setores que tutelou direta ou indiretamente, bem como devolver aos estados a soberania sobre os seus setores financeiro. A dúvida é mesmo se ainda vamos a tempo.

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