Entre invasões de palco e ruas intransitáveis, cumpriu-se mais um D’Bandada

Sábado, a Baixa do Porto voltou a encher para a 6.ª edição do festival. Bonga no Coliseu, hip-hop numa caótica Praça dos Poveiros, The Sunflowers e Club Kitten em destaque.

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Concerto de Miguel Araújo Paulo Pimenta
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Concerto no Silo Miguel Araújo Paulo Pimenta
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Concerto Suma nos Maus Hábitos Paulo Pimenta
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Concerto Suma nos Maus Hábitos Paulo Pimenta
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Concerto Suma nos Maus Hábitos Paulo Pimenta
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Concerto Suma nos Maus Hábitos Paulo Pimenta
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Drone Paulo Pimenta
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Concerto de Selma Uamusse no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Selma Uamusse no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Selma Uamusse no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Selma Uamusse no Coliseu Paulo Pimenta
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Chegada do Bonga ao Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Bonga no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Bonga no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Bonga no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Bonga no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Bonga no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Bonga no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto de Bonga no Coliseu Paulo Pimenta
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Concerto Orelha Negra na Praça dos Poveiros Paulo Pimenta
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Concerto Orelha Negra na Praça dos Poveiros Paulo Pimenta
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Club Kitten no Coliseu Paulo Pimenta
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Club Kitten no Coliseu Paulo Pimenta
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Club Kitten no Coliseu Paulo Pimenta
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O público na rua Cândido dos Reis Paulo Pimenta
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Passos Manuel Paulo Pimenta

O DJ Rocky Marsiano teve pista cheia logo às seis da tarde. Selma Uamusse acabou o concerto com invasão de palco. Kimi Djabaté saiu do palco aos saltos, sensação de missão cumprida, e com o público a insistir nas palmas em vez de ir jantar. Bonga teve o Coliseu a seus pés, um Coliseu cheio da plateia até lá em cima. Na 6.ª edição do festival NOS em D’Bandada, que voltou sábado à Baixa do Porto, a programação de músicas africanas no Coliseu saiu vencedora. Foi uma das novidades do ano e, pelo que se viu, uma aposta ganha.

Às 18h, a longa fila para entrar no Coliseu já ia até Santa Catarina – e a cidade começava a entupir, como já vem sendo hábito no D’Bandada. Com um cartaz com mais de 50 concertos de bandas e músicos da lusofonia em 14 espaços, de entrada gratuita, eram muitos os que esperavam para ver Selma Uamusse, cantora moçambicana que já conhecíamos dos Wraygunn ou dos Cacique 97, mas que agora surge finalmente em nome próprio, aqui acompanhada por três músicos. O protagonismo pode e deve ser dela, de uma voz telúrica que consegue atingir várias temperaturas, com alguns vestígios de Nina Simone e de Erykah Badu. Parte do público acabou o concerto a dançar em cima do palco, mas a festa mais acesa viria a acontecer passado duas horas e meia, com Bonga.

O mestre do semba e ícone intergeracional da cultura angolana pôs o Coliseu a rebentar pelas costuras. E a suar. Avós, pais e filhos davam tudo o que tinham na dança, e não paravam de entoar o nome de Bonga nos intervalos. Nem ele estava à espera disto. “Eu não sabia que era assim”, comentou no final da primeira canção. Houve clássicos como Lágrima no Canto do Olho e Mariquinha, que até fizeram levantar quem estava numa cadeira de rodas. “Não tenho uma perna, mas de vez em quando lá tive de me levantar um bocadinho para dançar, que isto é contagiante. Adoro o Bonga”, diz Maria Isabel Costa, 72 anos, nascida em Angola.

Durante uma hora, tirou-se o mal do corpo. “A minha mãe tem um problema nos joelhos mas dançou que se fartou”, conta Eliana, pela primeira vez no D’Bandada. “Saltámos, dançámos, não dá para ficar parada. Está no sangue”, diz a mãe, Fátima, angolana a viver no Porto, cidade onde infelizmente os concertos de músicas africanas escasseiam. “Há poucos e acho que há público para isso, apesar de não termos uma comunidade de imigrantes e de descendentes tão grande como em Lisboa. Era bom que para o ano voltassem a fazer”, refere Eliana.

Tentar ver concertos

O festival – que este ano teve um prólogo, em jeito de aquecimento, com sessões de cinema no Passos Manuel, entre os dias 13 e 16 –, arrancou às 14h30 no Silo Auto, um dos novos espaços desta edição, com o concerto de Edu Mundo, e no Jardim da Cordoaria, com um programa dedicado ao público infanto-juvenil. Pelas 16h, com o D’Bandada ainda a meio gás (ou seja, ainda se conseguia respirar), Lourenço Crespo, cantor e compositor da editora Cafetra, ocupava o palco do Café au Lait. Apresentou parte do seu primeiro disco a solo, Nove Canções, um dos acontecimentos da música portuguesa deste ano, um exemplar de joalharia pop. Ansiedade geracional, desassossego e celebração enchem melodias suculentas de teclado, letras em que a língua portuguesa é um jogo de palavras que surpreende a cada volta, e uma voz plena de audácia rítmica e uma estranheza muito própria, que cresce ainda mais ao vivo (Essa Mulher e Alvalade, a capella, não nos deixam mentir).

Pouco depois começava o concerto de Miguel Araújo no sétimo andar do Silo Auto. O cantor dos Azeitonas é a estrela residente do D’Bandada, que o viu crescer – no primeiro ano tocou para algumas pessoas na loja A Vida Portuguesa, no ano passado encheu a Avenida dos Aliados. Este sábado voltou a arrastar multidões, mesmo depois de ter esgotado o Coliseu nos dias anteriores, na companhia de António Zambujo. Muros de pessoas rodeavam o músico, apenas à guitarra, a tocar temas do seu cancioneiro e outros que compôs para colegas como Ana Moura e Zambujo.

São canções fáceis, domesticadas, sem qualquer atrito – e o público entoava-as quase do início ao fim, mesmo sem ver Miguel Araújo, mesmo ouvindo-o ao longe. Uma escolha de espaço que claramente não resultou. “Foi uma má opção para um nome destes. Aqui tinha de ser uma banda mais pequena, menos conhecida”, consideram Diana Sousa e Beatriz Serra. Muitos queixavam-se, outros aproveitavam para tirar fotografias à vista sobre a cidade e selfies com os brindes (óculos, leques…) distribuídos no festival. Para desenjoar, ainda deu tempo para voltar ao Café au Lait e ouvir Sallim, outra representante da Cafetra: a voz melíflua dá corpo a canções que são fantasmagorias límpidas, afáveis mas agridoces, sempre com uma tensão latente.

Ao final da tarde, as ruas e os espaços do festival já estavam quase intransitáveis – não é por acaso que lhe chamam o “São João da música” (a organização ainda não avançou números, mas na edição passada contabilizaram-se 200 mil pessoas). As filas à porta e as enchentes algo caóticas foram tornando-se o cenário dominante, e um desafio à paciência. No D’Bandada, mais do que ver concertos, tenta-se ver concertos – e em muitos casos acaba por ser um consumo fragmentado e acelerado, mais um coleccionar de experiências soltas do que ouvir música do início ao fim (o que, na verdade, é o que vem acontecendo em muitos festivais).

Pelas 18h ainda conseguimos, a muito custo, espreitar Surma no Maus Hábitos, jovem compositora que já congregou uma considerável base de seguidores com as suas modulações de voz sob tricotares electrónicos e guitarras planantes, por vezes rasgadas. Pouco depois, o duo portuense The Sunflowers liderava um pequeno motim no Ateneu Comercial do Porto (feito uma autêntica sauna), com descargas galvanizantes de punk’n’roll anfetaminado – só vão lançar agora o primeiro álbum, The Intergalactic Guide To Find The Red Cowboy, através da Pointlist, mas já conquistaram o coração de muito boa gente.

Bonga: Coração angolano, voz de musseque

Depois do jantar, as multidões concentraram-se sobretudo na Praça dos Poveiros, o território do hip-hop. Landim, Keso, Bispo, Pro’Seeds e Orelha Negra compunham o alinhamento. Em Orelha Negra, a história repetiu-se: tal como no ano passado, a praça e as ruas adjacentes ficaram obstruídas. Para quem não tivesse guardado lugar com muita antecedência, ver alguém em palco era quase missão impossível. Como propôs alguém do público, não seria má ideia apostar num ecrã ao lado do palco com a projecção dos concertos.

De volta ao Coliseu (mas com uma passagem intermédia pelo vizinho do lado, o Passos Manuel, que encheu para receber a batida de Puto Anderson, DJ NinOo e Puto Márcio, da essencial editora Príncipe Discos), a noite terminou com um momento especial – o ressuscitar do Club Kitten, noite mítica de João Vieira (DJ Kitten/ X-Wife/ White Haus), que hoje faria 15 anos e que no início dos anos zero transformou a noite do Porto. Havia autênticas peregrinações ao Triplex, cuja pista incendiava ao som de electro, new wave e punk. Com toda a pompa e circunstância (o que não existia propriamente no Triplex), havia glitter à discrição e o Coliseu estava decorado com cortinas prateadas e luzes especiais. É impossível voltar atrás, mas é uma maneira de dar corda à nostalgia. “É uma forma de relembrar a altura em que as coisas eram fáceis, em que não trabalhávamos e não tínhamos filhos”, diz Lígia Guedes, 40 anos, que fazia parte de um dos grupos que não falhava uma festa. “Hoje voltámos a fazer o que fazíamos antes: jantámos todos juntos, vestimo-nos, maquilhámo-nos. O Club Kitten era sempre mais do que só sair à noite. Acabou por se formar uma comunidade e fizeram-se várias amizades”, acrescenta. E este sábado acabaram, muitos deles, em cima do palco.

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